O passado estará sempre na vanguarda do presente!

20/07/2024

Kleyton Bandeira Cantor, compositor e pesquisador cultural

Kleyton Bandeira
Cantor, compositor e pesquisador cultural

Eu costumo dizer que, para entendermos melhor quem nós somos e para onde vamos, precisamos, em caráter de urgência, buscar um conhecimento sólido sobre o nosso passado dentro de perspectivas culturais, sociais, genealógica, antropológica etc. É só assim, praticando, dia após dia, o autoconhecimento que seremos capazes de obter as respostas certas para as nossas indagações. Caso contrário continuaremos fazendo as perguntas erradas e, consequentemente, obtendo as respostas erradas.

Muito se fala nos dias atuais que, absolutamente, não há mais músicas que prestem. E aí? A música decaiu?

Vamos lá!

Durante grande parte da história, houve uma forte discrepância entre a posição da música e o prestígio dos músicos. Nas civilizações antigas, a música sempre foi compreendida como meio ideal para transmitir ordens divinas e agradecer por elas. No Egito faraônico, quaisquer alterações nos cânticos eram terminantemente proibidas pela simples razão de que o seu compositor era o deus Osíris. O último salmo do Antigo Testamento exorta os fies ao louvarem a Senhor com metais, madeiras, cordas e percussões.

Saindo de uma visão divina para uma mais antropocêntrica, Platão avalia no Livro 3, em República, que “a música é a parte fundamental da educação, porque o ritmo e a harmonia têm, no mais alto grau, tendência a se insinuar na alma, dominando-a”. Por essa razão, ele exigiu, com sua habitual certeza, que não se permitisse mudanças nas formas musicais, pois essas mudanças ameaçariam o próprio regime político da época, uma vez que “quando as modalidades de música mudam, as leis fundamentais do estado sempre mudam juntos”. Na utopia totalitária de Platão (ou distopia), todos os aspectos musicais deverias ser rigorosamente controlados.

Até aqui fica claro que a música tende a ser usada, por quem detém o poder, como algo dominador capaz de conduzir as pessoas, digamos, para o lado do bem, correto.

Pois bem! Sigamos!

Já no século XVI, quase ontem, no ato final de O mercador de Veneza (1594), de Shakespeare, Jessica confessa a Lourenço que nunca se alegra quando ouve música suave, o que motiva a seguinte resposta, num tom neoplatônico: “a razão é que todos os teus sentidos estão atentos. Presta atenção somente num rebanho selvagem e vagabundo, uma horda de potros jovens sem domar, fazendo loucas cabriolas, nitrindo e relinchando com grande estrépito, levados pelo ardor do sangue. Mas, se por acaso ouvem o som de uma trombeta, ou qualquer ária musical venha ferir-lhes os ouvidos, tu os verás, dominados pelo mágico poder da música, ficarem imóveis, como por unânime acordo e os olhos tomarem uma tímida expressão”.

Pronto! Agora chega de filosofia!

Já no tempo contemporâneo, pós Segunda Guerra Mundial, entramos na era antropocêntrica, onde o homem, e o seu pensamento, é cada vez mais livre para fazer suas escolhas e definir a suas preferências. Tudo parte de um sentimento individual que se constrói a partir da estrutura social e filosófica de cada ser, por mais que ele não esteja atento a isso. Eu escolho o que comer, o que vestir, o que comprar e o que ouvir baseado em quem eu sou, ou acho que sou.

Para finalizar, vou citar Baldassere Castiglione, em O livro do cortesão (1528): “o mundo se constitui de música, e o firmamento, em seu movimento, produz uma melodia, e nossa alma é moldada da mesma forma”.

Desejo a todos um excelente final de semana e lhes deixo uma pergunta: foi a música que, realmente, decaiu?

Até a próxima!

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