A VERDADE DAS MENTIRAS

14/02/2025

Em iniciativa mais que oportuna, o governo Lula vai reabrir investigação sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ocorrida em 1976.

A versão oficial, sabe-se, é que o Opala em que viajavam JK e seu motorista, Geraldo Ribeiro, bateu acidentalmente em um ônibus e se chocou contra um caminhão que trafegava pela Dutra em direção contrária.

O que seria um acidente, no entanto, tem sido objeto de polêmica e um laudo técnico do engenheiro e perito Sérgio Ejzemberger, contratado pelo Ministério Público Federal em investigação concluída em 2019, contraria a versão dos militares. Outras conclusões, igualmente abalizadas, apontam para a hipótese de assassinato político.

Essa a razão por que o presidente Lula resolveu dar início a nova investigação do caso, cabendo ao Ministério dos Direitos Humanos, através da Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), a responsabilidade de desenvolver ações que visem a elucidar, em definitivo, o que realmente causou o evento que vitimou o ex-presidente e seu motorista há quase 50 anos.

A medida, que visa a reconstituir a “verdade histórica”, vem na esteira da imensa repercussão do filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, que concorre ao Oscar nas categorias de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional.

Numa outra perspectiva, mas observando a necessidade de esclarecimentos de mesma natureza, por exemplo, é que já se percebe uma mobilização em diferentes setores da sociedade civil no sentido de que se investiguem as mortes do escritor austríaco Stefan Zweig e sua mulher, ocorridas em Petrópolis, em 22 de fevereiro 1942. A versão de que o casal pactuara um suicídio, materializada em mais de uma biografia, com destaque para o incontornável “Morte no Paraíso – A tragédia de Stefan Zweig”, de Alberto Dines, foi e volta a ser contestada. Sobre o fato, a propósito, recomenda-se o belo romance de Deonisio da Silva, “Stefan Zweig deve morrer”, mas sobre isso falaremos na coluna da semana que vem.

De resto, cabe ressaltar a importância da arte no contexto cultural do país, bem na linha do que dá exemplo o filme de Walter Salles sobre a trajetória de Eunice Paiva, brilhantemente interpretada por Fernanda Torres, também ela concorrendo ao Oscar na categoria de Melhor Atriz. Se a arte não é bastante, por si só, para transformar realidades, como não raro acreditam os que a cultuam devotadamente (a exemplo deste escriba!) a arte desperta consciências, mobiliza esforços e, cedo ou tarde, desencava verdades profundas que tempo algum será capaz de apagar.

Prova do que estou afirmando é que pesquisas de opinião realizadas com jovens de quinze a vinte e cinco anos, tradicionalmente alheios ao que ocorreu no Brasil durante o regime militar, implantado com o golpe de Estado de 1964, revelam uma outra consciência política em torno do que significa um governo autoritário.

Considerando-se o momento de retomada do projeto extremista de direita, e de desabridas manifestações de apoio às investidas golpistas do 8 de janeiro de 2023, de que o projeto de anistia aos envolvidos é a mais desavergonhada prova, é alentador saber que a sociedade brasileira (e o mundo) aplaude uma obra de arte como “Ainda estou aqui”, filme capaz de comover os homens e despertar os jovens contra os reiterados ataques à Democracia (assim, com maiúscula). Vivi para ver.

P.S. Concluo o texto acima e tomo conhecimento da morte de Cacá Diegues, nome inatacável do cinema brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras, a quem dedico a coluna de hoje.

 

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

 

 

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