Ítalo de Holanda Azevedo (estudante, 3º ensino médio da escola Modelo)
A ideia de que todos os seres humanos possuem, desde que nascem, quaisquer direitos naturais, como defendia o iluminista inglês John Locke, é, no mínimo, absurda. Para ilustrar isso, imagine a seguinte situação: um indivíduo se põe diante de um urso, argumentando que não pode ser morto, pois, segundo o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988, todos têm direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Esse urso, com certeza, rasgaria a Constituição junto com esse indivíduo. Na natureza, portanto, ninguém tem direito a coisa alguma, como já afirmava Nietzsche em sua crítica à moral herdada (Genealogia da Moral), onde a força e o instinto de domínio eram as verdadeiras forças motrizes da vida.
A maior parte da história da humanidade também se desenrolou sob essa mesma lógica angustiante, surgindo mecanismos de adaptação que até hoje se manifestam na psique humana. O psicanalista Sigmund Freud dividiu esses mecanismos hipoteticamente em dois: instinto de vida (Eros), que busca a preservação, a reprodução e a manutenção da vida; e instinto de morte (Thanatos), uma força que nos leva a agir de forma destrutiva, inclusive contra nós mesmos. Os direitos humanos são, dessa forma, preceitos éticos forjados pelos próprios seres humanos para reprimirem os instintos da morte, possibilitando o surgimento da civilização. Porém, Freud alertou, em sua obra O Mal-estar na Civilização, que, mesmo com a civilização, a natureza animal e os impulsos de sobrevivência continuam operando no ser humano, só que mais mascarados ou sublimados.
Resta, então, uma dúvida inevitável: em que se baseiam esses preceitos? A resposta não é tão clara como se gostaria, pois tanto o fundamento divino quanto o secular foram, por muito tempo, tratados como garantias absolutas. No entanto, a história demonstra que ambos são falíveis. A submissão da mulher ao homem, por exemplo, foi justificada tanto pela razão filosófica — como se lê em Aristóteles, ao afirmar que “o macho é por natureza superior e a fêmea inferior” (Política) — quanto pela autoridade religiosa, como indica a passagem bíblica: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. Não permito que a mulher ensine, nem que tenha autoridade sobre o homem; esteja, porém, em silêncio.” (1 Timóteo 2:11-12). Analisando esses dois casos, retornamos a Nietzsche, que enxergava a razão humana e as revelações religiosas mais como o espírito de sua época do que qualquer moralidade universal.
Assim, os direitos humanos, longe de serem dádivas naturais ou concessões divinas, são conquistas frágeis, afirmadas contra a própria condição humana. Infelizmente, o preço dessas conquistas foi, muitas vezes, o sangue de revolucionários que desafiaram as estruturas de poder, enfrentando forças que raramente aceitavam essas insurreições de braços cruzados. Chega-se, então, a uma conclusão perturbadora: se hoje não é mais permitido escravizar seres humanos nem discriminar por distinção de gênero ou orientação sexual, isso se deve às conquistas daqueles que, em vez de oferecer a outra face diante da humilhação ou de não resistir ao mal, decidiram se afirmar nesta vida com coragem e fé em seus ideais. Aqui, ecoam as palavras do filósofo argelino Albert Camus, que sintetizam o espírito da luta humana e concluem essa análise: “O homem revoltado é aquele que diz não. Mas, ao recusar, ele diz sim a algo maior que ele mesmo.” (O Homem Revoltado).
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