Já vai tarde

05/09/2020

Arquiteto de práticas inconfessáveis na Lava Jato, que vão do famigerado uso de PowerPoint no intento de desconstruir a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante investigações mais tarde desmentidas em diferentes instâncias, a exemplo do que se viu ontem no TRF-1, em Brasília, a benefícios ilegais junto a empresas não identificadas para as quais proferiu palestras que lhe renderam valores incompatíveis com a natureza do serviço prestado, o procurador Deltan Dallagnol anunciou, nessa terça-feira, estar deixando o grupo de investigadores da operação.

Em 2019, para se ter uma ideia dos malfeitos do senhor Dallagnol, o procurador chegou a anunciar a criação de uma fundação privada, a ser gerenciada por ele e demais procuradores da Lava Jato, cujos recursos, oriundos de acordo firmado junto à Petrobrás, iam para além dos R$ 2,5 bilhões. Tudo, é bom lembrar, pensado às escuras, sem qualquer discussão que envolvesse quem quer que fosse se não os próprios idealizadores da tal fundação. O acordo, como se sabe, foi anulado pelo STF, tão imorais eram as motivações com que Dallagnol e sua equipe procuraram justificá-lo.

O pior em torno da atuação de Deltan Dallagnol nas investigações da Lava Jato, contudo, foi revelado em junho de 2019. Como se poderia ver com a publicação de reportagens do site The Intercept Brasil, o então chefe dos procuradores da força-tarefa, à revelia do que estabelece a lei, vinha mantendo, durante as investigações, conversas com o juiz Sergio Moro, numa prática vergonhosa de ajustes, subtrações e acréscimos de elementos que tinham por objetivo destruir o Partido dos Trabalhadores e sua maior estrela, o ex-presidente Lula, afastando-o, pelos meios ilícitos, das eleições de 2018. O resultado disso, como se sabe, seria decisivo para a eleição de Jair Bolsonaro, que pouco depois indicaria Sergio Moro para o Ministério da Justiça.

As publicações do The Intercept Brasil ainda trariam a público outras práticas inconfessáveis do então procurador: em 2016, após o ministro Dias Toffoli, do STF, ser visto pelos procuradores como entrave para os objetivos perseguidos pela Lava Jato, Dallagnol ainda determinou que o investigassem sigilosamente. O caso acabaria vazando e os procuradores expostos à execração pelos ministros do Supremo.

Sua saída da força-tarefa sediada em Curitiba, somada aos desgastes do ex-juiz Sergio Moro, cujas artimanhas como ministro da Justiça tinham por objetivo viabilizar sua indicação para o STF, mas acabariam fracassando, marca com indesejado simbolismo o fim do que se considerou por muito tempo uma panaceia contra a tragédia moral que toma conta do país. Considerando-se, todavia, o que quase sempre esteve por trás de sua prestigiada chefia da Lava Jato, o senhor Daltan Dallagnol vai tarde, muito tarde.

P.S. A decisão do TRF-1 em favor do ex-presidente Lula, nessa terça-feira, na sequência de outros desmentidos de acusações contra ele assacadas, contribui para evidenciar que a força-tarefa de Curitiba o tinha como a cereja do bolo. Esse, diga-se em tempo, é o quinto processo contra Lula arquivado fora da chefia de Deltan Dallagnol.

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

MAIS Notícias
A dama de preto
A dama de preto

Em "Personagem", poema antológico, Cecília Meireles descreve uma personagem silenciosa, sem forma definida, um ser ausente que existe unicamente no universo onírico do eu-lírico. Essa figura, "sem forma e sem nome", é, no entanto, objeto de um desejo indomável, embora...

A música como que por milagre
A música como que por milagre

  Quase sempre o extraordinário começa no ordinário, assim um estudioso de fama definiu o despertar para a música. Em inícios dos anos 60 chega a Iguatu o bispo Dom José Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago. Eu tinha uns seis, sete anos, e lembro que a cidade se...

O primeiro leitor, ensaio de memória
O primeiro leitor, ensaio de memória

"Que enorme contradição é escrever algo memorialístico, tendo uma proposta existencial que valoriza o silêncio e a reclusão", Luiz Schwarcz.   No campo teórico torna-se difícil estabelecer diferenças rigorosas entre a autobiografia e o que se convencionou chamar...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *