
Kleyton Bandeira
Cantor, compositor e pesquisador cultural
Na história da música popular brasileira, há encontros que moldam a estética de uma geração — e há desencontros que a marcam com a mesma força.
O episódio da briga entre Fagner e Belchior, por mais pitoresco que possa parecer à primeira vista, carrega, nas entrelinhas, os escombros de uma amizade criativa e tempestuosa.
O cenário foi a casa da cantora Amelinha, em meados dos anos 1970, período de efervescência artística, política e pessoal para aqueles músicos nordestinos que migravam para o eixo Rio-São Paulo em busca de espaço. A faísca do conflito, segundo relatos, foi um casaco. Isso mesmo: um simples casaco. Mas como toda boa anedota que sobrevive ao tempo, o que parece banal esconde um símbolo.
Não se tratava apenas de vestuário. O casaco — dizem — teria sido usado ou tomado emprestado sem consentimento, e virou o catalisador de um acúmulo de ressentimentos. A discussão evoluiu rapidamente para agressões físicas. Há quem diga que Belchior puxou uma tesoura; outros juram que foi Fagner quem a arremessou pela janela para evitar algo pior. Nenhum dos dois negou que houve porrada. Fagner, mais tarde, diria que foi uma briga “pra valer”.
Mais do que a violência do momento, o episódio selou uma ruptura duradoura. Os dois cearenses geniais, parceiros de canções memoráveis, como “Mucuripe”, e vozes de uma geração crítica e poética, passaram a se evitar. E mesmo que Fagner tenha admitido, anos depois, o valor e a influência de Belchior em sua carreira, o reencontro verdadeiro, ao que parece, nunca aconteceu.
Como tantas histórias do cancioneiro brasileiro, essa também vive no limiar entre o mito e a memória. O casaco virou símbolo de um tempo em que artistas eram movidos por paixão, vaidade e convicção, onde uma canção podia nascer de um sopro de amor ou ruir ao corte de uma tesoura.
Talvez, no fundo, essa história diga menos sobre um casaco e mais sobre o preço da sensibilidade quando ela é posta à prova entre gênios, e sobre como, às vezes, mesmo grandes vozes desafinam juntas.
Por hoje ficamos por aqui.
Bom final de semana!
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