1910-15: considerações político-sociais e a culminância na “grande seca” em Iguatu (II)

09/09/2023

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

O documento em destaque na matéria da quinzena passada, presente no jornal sobralense A Lucta, anunciava a migração de 1.500 pessoas saídas da estação de trem de Iguatu com destino à capital para aguardar “vapores para o norte e sul” do país. A matéria ressalta a situação de “horror e miseria” dessas pessoas e a ação imediata do coronel Benjamim Barroso de distribuir alimentos.

Parte dessas pessoas podem ter feito o translado auxiliados pela política de socorro do governo que consistia na: 1) concessão de bilhetes/passagens de trem rumo a capital, mas, insuficiente, muitos precisavam comprar o próprio bilhete ou seguir por outro meio; 2) condução para um espaço que foi denominado de “Campo de Concentração” (inicialmente foram postos no Passeio Público, quando o número era ainda inferior a 3 mil), num “vasto terreno Alagadiço, cercado, bem arborizado”, devido a quantidade crescente de “flagelados” que chegavam; 3) concessão de bilhetes de navio para conduzi-los ao “norte” (há registros que fala do Amazonas) ou “sul” do país – política considerada pelo próprio governador em sua mensagem proferida 1916 para a Assembleia do estado como “expatriação”; 4) criação de postos de trabalho, construindo estradas e rodagens para empregá-los, dentre outros.

Como se pode ver, a migração foi posta como política emergencial e estratégica dentro da geopolítica nacional, uma vez que o norte vivia o boom da borracha e o sudeste, especialmente São Paulo, o da produção cafeeira. Mas, diante do quantitativo de pessoas que migravam dentro do estado – cerca de 25 a 30% em relação uma população geral de mais de um milhão de habitantes à época – outros destinos e rotas foram desenhadas pelos pés daqueles que, sem conseguir os bilhetes doados pelo governo, rumavam em busca do Maranhão e Piauí. De acordo com a mensagem do governador, para a Assembleia do estado, ao realizar cálculos em relação à quantidade de pessoas que deixaram o estado, estima-se que 12 mil pessoas tentaram migrar para Piauí e Maranhão e 70 mil pessoas para norte e sul do país (dentre elas, 39.313 por conta da União e 16.105 por conta própria; os demais, custeados pelo governo do estado).

Sobre as 1.500 pessoas que saíram via estação de trem de Iguatu, a lacuna documental permite apenas especular sobre suas possibilidades. Para aqueles que sobreviveram, se conseguiram trabalho na construção dos açudes, estradas e rodagens e permaneceram no “Campo de Concentração”, se migraram para o norte ou sul do país.

Mais de 1.500 pessoas saíram da estação de trem de Iguatu rumo a Fortaleza

O trem era, nesse sentido, um importante instrumento dessa “modernização”, que transformou a paisagem sertaneja, mas, além disso, era tema recorrente nos debates sobre as secas. O jornal Libertador (ed. 181, de 12 de agosto de 1889) já defendia a construção/alongamento da estrada de ferro até o Cariri, como uma medida “contra as seccas” desde fins do século XIX. Em Iguatu, a sua inauguração ocorreu em 5 de novembro de 1910.

No entanto, o ano de 1912 parece ter sido palco de greves realizadas pelos trabalhadores da estrada de ferro de Baturité (linha com destino a Iguatu). O jornal independente O Rebate (ed. 50, de 30 de março de 1912) noticiou:

“Fortaleza, 24 – Os grevistas da E. F. de Baturité, cederam a rasoaveis promessas do ministro da viação, que prometteu mandar um fiscal geral a fim de promover melhores vantagens para os empregados e outras medidas liberaes. A linha, em consequencia das chuvas, acha-se interrompida entre Humaytá e Iguatú. Fortaleza, 25 – O Coronel Franco Rabello seguirá para o interior amanhã, demorando-se nos pontos principaes da BATURITÉ, até Iguatú. se o tempo permittir chegará até o Crato, em propaganda da sua candidatura. Acompanhal-o-ão nessa excursão o Dr. Paula Rodrigues e outros proceres da politica cearense.”

Os grevistas reivindicavam, além de aumento salarial e seus devidos pagamentos, melhorias a serem realizadas nas estradas de ferro. Os mesmos “cederam” diante das promessas do ministro da viação, mas para o Boletim (ed.7, de 1912) de circulação anônima, essas negociações tratavam apenas de agradar o coronel Franco Rabello, que saía em campanha pelo interior. Por meio desse trecho, destaca-se ainda que 1912 foi um ano de inverno. Já em 1914, numa correspondência de Iguatu para o jornal Folha do Povo, e reproduzida no jornal A Lucta (ed. 10, de 2 de julho de 1914), o trem é objeto de assunto não mais pelos trechos interditados ou greves, mas pelas ameaças de roubos e ataques que assolavam a região, como se pode observar no trecho:

“Uma carta de Iguatu’ para a Folha do Povo, de Fortaleza, noticia o seguinte; O commercio aqui está muito parado devido aos trabalhadores da estrada de ferro, romeiros, que ameaçam a cada momento de atacar a Estrada. Grupos dêlles andam por aqui tomando armas. Hontem constou que um celebre José Pinheiro viria com uns 200 homens para aqui. Foi um verdadeiro panico na cidade: a feira terminou logo. Cerca de 3 horas da tarde chegou um grupo de mais de 100 romeiros na estação e exigiram o pagamento do que do que lhes deve a Estação. Finalmente chegaram a um acordo, devendo elles serem pagos até o dia 25 do corrente. Si porem naquele dia elles não tiverem recebido o dinheiro pretendem attacar os trens e roubar as mercadorias. Os commerciantes aqui se acham sem garantias sujeitos a serem roubados e saqueados. Segue hoje para hi o capitão de policia Oliveira, testemunha dos acontecimentos de hontem aqui.”

Alguns aspectos são interessantes para análise: 1) ao que parece, as greves e reivindicações dos trabalhadores da estrada de ferro ainda permaneciam não resolvidas ou em disputa; 2) a matéria indica também para a situação de terror diante da ameaça dos cangaceiros, bem como do cerco que se instalara à região do Juazeiro. O mesmo jornal noticiou, já no dia 26 de novembro do mesmo ano, que o coronel Benjamim Liberato só conseguia governar até a cidade do Iguatu, enquanto que a região do Cariri estava sob a chefia do Pe. Cícero.

…(continua)

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