1910-15: considerações político-sociais e a culminância na “grande seca” em Iguatu (III)

23/09/2023

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

O documento em destaque na matéria da última quinzena tratava do sentimento de terror e medo vivido pelo comércio de Iguatu diante dos ataques dos romeiros à estação de trem e de suas ameaças de saques e roubos de mercadorias. Retorno, por meio do trecho desse documento, ao ano de 1914 para entender o cenário político de conflito e a posição de Iguatu nesse tabuleiro.

Os leitores que acompanharam minhas matérias sobre a estada de Monsenhor Monteiro na Igreja de Senhora Sant’Ana, no ano de 1888, devem ter notado a proximidade de Iguatu com o Crato e a figura do Pe. Cícero, também cidade natal e amigo do referido monsenhor, respectivamente. Monsenhor Monteiro, ao retornar para o Crato no ano seguinte, foi ainda a testemunha do “milagre da hóstia” e, provavelmente, o responsável pela primeira romaria para a região.

Relembro tais episódios a fim de analisar não o surgimento do fenômeno religioso, mas dos usos dado à palavra romeiro, no exercício de tentar compreender sua dimensão para o ano de 1915. Pois em alguns livros observa-se uma confusão entre romeiros e jagunços, como se fossem sinônimos. Para Rodolpho Theóphilo (1922), que escreveu sobre a “Sedição de Joazeiro” em 1915, ambos – romeiros e jagunços – estavam associados à imagem do Pe. Cícero (apud Camurça: 2018). Para o antropólogo Marcelo Camurça (2018), o exército da revolta do Juazeiro era composto por 2 grupos: 1) capangas assalariados e bandidos a mando dos coronéis aciolistas e marretas; e 2) romeiros, trabalhadores rurais, meeiros e artesãos, que ouviam e respeitavam os conselhos do “padim”. O primeiro grupo pode se tratar dos jagunços, do qual fazia parte o tal José Pinheiro, adjetivado na matéria como “celebre”.

O trecho do documento em destaque aqui fala em romeiros ameaçando saquear a cidade de Iguatu, mas comenta “Hontem constou que um celebre José Pinheiro viria com uns 200 homens para aqui. Foi um verdadeiro panico na cidade: a feira terminou logo”. Como se pode notar, romeiros e jagunços não pareciam se distinguir muito no imaginário coletivo do período.

Esse clima pavoroso, narrado no trecho da matéria, foi se costurando desde fins do século XIX e estoura na primeira metade de 1910, diante da revolta do Cariri com o governo do estado. Iguatu, talvez por conta da sua recém inaugurada estação de trem, se torna uma espécie de zona intermediária, de onde partem “cangaceiros” rumo à capital, bem como chegam “praças” vindos da capital. Inclusive, a cidade foi escolhida pelo coronel Franco Rabello como a “base das operações” (Nortista, ed. 67, de 1 de fevereiro de 1914) e local onde suas forças se concentraram. O jornal Nortista (ed. 68, de 8 de fevereiro de 1914) relata:

“O capm. J. Penha organisa elementos de força em Iguatú

O capitão J. Penha, encarregado pelo coronel presidente do Estado para reorganisar em Iguatú novos elementos de combate contra os jagunços de Cariry trabalha activamente na organisação desses elementos os quaes ficarão sob seu comando.”

Fazendo jus ao estado de medo que a população iguatuense vivia, o jagunço José Pinheiro assassinou o capitão J. Penha, mas não fica claro (ao menos na documentação consultada) que tal fato tenha ocorrido na cidade de Iguatu. O que se pode afirmar, a partir dos escritos de Rodolpho Theóphilo, é a onda de “violências, assassinatos, depredações e saques cometidos pelos jagunços das tropas do Cariri nas cidades por onde passaram” (Camurça, 2018, p. 127), dentre elas Iguatu.

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