1928: quem matou Paulo Brasil? (Parte II)

26/04/2024

Por Naiara Leonardo…….

As eleições que aconteceram em 1926 repercutiram em 1927 e 1928 com o assassinato não apenas de Paulo Brasil, mas ainda e primeiramente do delegado de polícia de Iguatu. Este, ao que parece, foi assassinado logo após a posse para prefeito do Dr. Manoel Carlos de Gouveia, enquanto que a de Paulo Brasil guarda uma distância de aproximadamente um mês em relação ao primeiro assassinato.

O delegado de polícia, que sequer tem seu nome citado nas matérias, alinhava-se aos conservadores, enquanto que Paulo Brasil pertencia aos democratas. Nesse cenário de intensos conflitos políticos, que pareciam instigados pelos jornais – conforme sugeria o jornal que se dizia independente O Ceará -, chegou-se a especular até que Paulo Brasil tinha sido o mandante do assassinato do delegado de polícia. E que, por represália, Paulo Brasil acabou também assassinado.

Outra versão coloca o caso do delegado de polícia à parte por não acreditarem se tratar de crime político, mas apenas crime por vingança. Nesta versão, um suposto “moço de família” alegava ter sido desmoralizado e desacatado pelo delegado em plena rua “sem commetter nenhuma falta”. O jornal não parece se interessar muito em apurar o caso do delegado, talvez por não acreditar realmente se tratar de crime político. Ou ofuscado pelo caso de Paulo Brasil, que, em correspondências diretas para o jornal, afirmava saber que corria risco de vida.

Pelo conjunto das matérias aqui analisadas é possível supor que o cenário político no interior do estado era bastante inseguro. Pois, além das forças de segurança oficiais, existiam grupos de pessoas armadas que atuavam a mando dos coronéis, revelando um problema estrutural grave – o “cangaceirismo” e a forte presença de armas nas mãos de civis. Nessa disputa de narrativas, muitos foram os personagens interrogados, desde coronéis, políticos, prefeitos, pessoas da segurança e/ou que foram expulsos (tenentes, coronéis e afins), além dos supostos cangaceiros.

Na lista de interrogados consta os prefeitos de Cedro, Icó – além de “varias pessôas de destaque social” -, Maria Pereira, a atual cidade de Mombaça (Jayme Benevides), “o coronel Antonio Alves, membro da importante família Correia de Varzea Alegre e de Iguatu, e o progenitor do pharmaceutico sr. Hamilton Correia”, o coronel Pedro Gomes (Iguatu), o coronel Zequinha Contendas (Senador Pompeu), além dos indivíduos Manoel Wanderley (anunciado numa carta ao jornal como “indigitado cumplice de uma grande serie de crimes”), o já mencionado José Monteiro (que denunciou o sr. Octaviano Benevides), José Mourão, Antonio Capemba, José Pinheiro, Joaquim Alves de Oliveira, José Terto, Nonato Parahybano e José Luiz de Lima. Poderia se acrescentar a essa lista ainda nomes ouvidos pelo jornal como foi o caso de Sebastiana Thereza de Jesus, esposa de José Terto, entrevistada pelo O Ceará, a resposta de João M. da Silva alegando ser uma mentira o depoimento dela, e Francisco Correia Lima.

Abro um parêntese para lembrar ao leitor que já tratei nesta coluna, em matéria publicada no mês de setembro de 2023, sobre o “celebre” José Pinheiro, jagunço que reuniu um bando e ameaçou saquear Iguatu, em 1914, causando “um verdadeiro panico na cidade: a feira terminou logo” (Jornal A Lucta, ed 10, de 2 de julho de 1914). Seu nome é citado por José Mourão e Antonio Capemba, dois conhecidos cangaceiros, como o autor do assassinato de Paulo Brasil, em matérias intituladas “Para a história do cangaceirismo no nordeste brasileiro – ouvindo um dos mais celebres palmilhadores da caatinga” (edição 1016, de 25 de outubro de 1928) e “Para a história do cangaceirismo no nordeste brasileiro – a história de Antonio Capemba” (edição 963, de 24 de agosto de 1928). Segundo José Mourão, foram José Pinheiro e Francisco Casado que mataram Paulo Brasil.

Não pretendo me deter analisando minuciosamente todas as matérias e pessoas denunciadas ou interrogadas. Mas quero ainda destacar a extensa carta escrita por José Luiz de Lima de dentro da Cadeia Pública de Iguatu e enviada e transcrita no jornal O Ceará.

Nitidamente interessado no caso, o jornal informa que foi “preso e condemnado” o assassino do delegado em matéria intitulada “Apello de um encarcerado – declarações importantes sobre o assassinato de Paulo Brasil”, publicada na edição 947, de 5 de agosto de 1928. José Luiz de Lima era, então, mais um na lista de suspeitos que, assim como José Monteiro, citava Octaviano Benevides como “destes homens que fizeram quota para liquidar a vida de um moço tão distincto” juntamente com “Augusto, Clodoaldo, Lafayette Teixeira, o chefe de Maria Pereira, o chefe de Cedro, o chefe de Missão Velha e Pedro Silino. São estes que peço para v.s. não ocupar com elles o vosso jornal, porque são os maiores criminosos do Ceará.” Ele, que já havia atuado na polícia e fora expulso (segundo seu relato e transcrição do jornal), precisou fugir da cidade de Juazeiro para Fortaleza, porque estava ameaçado de morte, por parte do sr. Izaias Arruda. Na capital, e necessitando de trabalho, o sr. Paulo Brasil lhe estendeu a mão e ambos viajaram para Iguatu. Chegando na cidade no dia que se deu o “reconhecimento do dr. Gouveia, como prefeito”, José Luiz relata a sua percepção sobre a movimentação da cidade: “o movimento estava grande, todo mundo andando na rua. Passou-se a quinta, a sexta, e no sabbado em movimento e eu andava como todos, acompanhado do menor Nonato Parahybano”.

Para José Luiz, o menor Nonato Parahybano foi o único assassino do delegado, enquanto que ele teve a má sorte de estar em sua companhia e ter testemunhado o ato. “Este menor já havia dito, em todas as casas de diversões, que matava o delegado. Eu era o unico que não sabia porque havia chegado ha três dias. Mas todos, nesta cidade, sabiam, porque Nonato dizia, sem pedir segredo”, esclarece José Luiz. Assim, ele descreve o ocorrido: “Sem nada mais a dizer, ao emparelharmos com os homens, quando menos esperava, vi foi os tiros que nenhum dos dois podemos evitar porque não deu tempo. Agora dizem que eu ajudei a matar o delegado.”

Ainda nesta carta, José Luiz dá indícios de que tentaram armar para parecer que Paulo Brasil era o mandante do assassinato do delegado, como pode se observar na sua pergunta: “Porque o Clodoaldo não manda dizer a v.s. que, junto com o tenente Octavio, queriam me pagar bem pago e me soltar para eu dizer que tinhna sido mandado pelo sr. Paulo Brasil para matar o delegado?”

Fato é que entre idas e vindas de interrogatórios, entrevistas realizadas pelo jornal, prisões, dossiês sobre o “cangaceirismo” e ainda as ações do governo do estado montando campanhas pelo desarmamento, a resolução do caso Paulo Brasil, ou ainda do assassinato do delegado de polícia, parece ser deixado de lado pelo jornal sem qualquer conclusão. O fracasso da campanha de desarmamento, bem como da resolução dos casos, parece ainda sinalizar para a força que o cangaço e os políticos coronéis ainda detinham no interior do estado.

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