A verdade que me interessa

22/01/2022

Já devo ter feito referência a um pensamento de Bertolt Brecht que reputo sensato em muitas interpretações da vida real, ajudando a entender o porquê de ouvirmos certas coisas de determinadas pessoas e da forma como se nos são apresentadas. Ele disse, certa vez: “Pergunta sempre a cada ideia: a quem serves?”. Nesse sentido, as lutas argumentativas se tornam mais palpáveis; as nossas interpretações mais assertivas; e os discursos, mais compreensíveis. Se não, vejamos.

Imaginemos um vestibular hipotético, onde três cursinhos A, B e C estão na disputa. A tem 10 alunos concorrendo, B tem 100 discentes e, por fim, C entrará com 1 000 candidatos. Um aluno do cursinho A foi o 1º colocado geral do certame. Qual seria a manchete dos donos? Vamos ao óbvio: “Cursinho A é o 1º lugar geral do vestibular!”. O cursinho C, entretanto, aprovou 200 dos 1 000 alunos. Manchete para o outdoor? “Cursinho C, o que mais aprova no vestibular!”. Por fim, o cursinho B teve 80 alunos aprovados. Teria como entrar na disputa e, de algum modo, mostrar-se o vencedor? Claro! “Cursinho B, o que teve maior percentual de aprovação no vestibular!”.

Para A, não interessou o percentual relativo – o 1º lugar geral foi suficiente. Não importa se aprovou três dos dez inscritos (30%). Interessa ter sido o ‘vencedor’ do vestibular. Para C, a mera quantidade de aprovados (200) atende aos interesses colimados – para que informar que aprovou apenas 20%, menos que A? Esse detalhe, para ele, foge aos interesses (dele). A aprovou apenas 3, ele aprovou 200! Em relação a B, percentualmente falando, noticiar que 80% dos seus pupilos entrarão na universidade encherá os olhos de passantes apressados, que apenas fixarão o olhar absoluto nos 80%. C aprovou 200; B, apenas 80 – mas são 80 que representam 80% do total e não apenas 20% ou 30%.

Em se tratando de concursos, quando o que se busca são alunos e o marketing é essencial, não há maldade capital em se ‘puxar a sardinha’. Em tese, todos falaram a verdade. Entretanto, quando o que está em jogo são vidas, relativizar, dividir, criar grupos – uns torcendo pela morte dos outros para justificar decisões individuais –, é de uma pequenez moral imperdoável. Não há ponderações relativas que justifiquem transigir o valor inegociável da vida. Para todos, indistintamente de percentuais absolutos e/ou relativos que satisfazem a interesses de A, B ou C, o que temos, na ponta da linha, nos corredores e leitos de hospitais do mundo inteiro, são apenas – como caiu bem esse apenas – seres humanos adoecendo e morrendo, vítimas de uma assimétrica guerra social, política, sanitária… Que transcendeu a individualidade e deixará muitas heranças, principalmente o medo.

 

Nijair Araújo Pinto – TC BMCE

Cmt do 4º BBM – Iguatu

MAIS Notícias
Meu corpo, minhas regras
Meu corpo, minhas regras

.:. O título dessa nossa conversa de hoje é espetacular! Realmente, ter a real e completa noção do que somos e, a partir disso, deliberar em relação ao que fazer com a nossa compleição física é assaz importante. Talvez também em razão disso o tema tenha sido objeto...

.:.  Feliz Natal!
.:. Feliz Natal!

Datas são marcos históricos que nos remetem a reflexões. Poderia ser apenas isso, mas não é. O nascimento é um referencial – apenas para quem conhece o nascituro, mas é. Para o restante das pessoas, torna-se simplesmente inexpressivo, insignificante, uma rotina que...

As mãos do Corona
As mãos do Corona

O isolamento social continua e os rostos, aos poucos, eles se vão apagando das nossas memórias. Talvez ainda nos pareçam familiares os semblantes dos mais íntimos. Fora isso, essa é a impressão que tenho, vemos sorrisos, sem máscaras, apenas em fotos de recordações –...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *