Acovardamento social

16/05/2020

“Quanto mais infame é sua vida, mais o homem se importa com ela; ela se transforma então um protesto, uma vingança de todos os instantes”

Honoré de Balzac

Desde há muito sou considerado um sujeito intratável e intragável. Muito cedo fui considerado estranho, de opiniões “polêmicas” e, nos círculos cristãos que frequentei por um tempo, “herege”. E não é de hoje que tenho uma profunda preguiça de ser sociável – sim, sou um ser social por uma imposição da espécie, mas sociável mesmo, nunca. Não dou a mínima para assobiar feito um canário e sair dando bom dia a cavalo.

Canso-me das convenções, dos conclaves, das festas no trabalho e, pior, das famigeradas

“vaquinhas” para presentear colega de trabalho que nem conheço. Assim, fica claro que contribui cem por cento para não ser o tipo de sujeito convidado para churrascos, batizados, casamentos ou coisa que o valha.

Mas não peço desculpas por ser quem sou. Aprendi com os trágicos gregos que temperamento é destino. Claro, o ser humano se sabota o tempo inteiro. E por muito tempo me traí tentando ser “um sujeito normal”, para citar Raul Seixas. Tentei ser próximo de pessoas que não valiam dez minutos do meu tempo. Chamei de amigos colegas de noitadas e nada mais. Tentei agradar ouvidos que, cria, eram refinados às coisas do espírito. Após dar com os burros n’água, enfim aceitei o meu destino: a solidão dos que não seguem a manada. Dos que só falam por si mesmos.

É de se esperar, pelo exposto, que me agrada a falta de contato humano que a quarentena trouxe. Seria se este isolamento não revelasse ainda mais a verdade medonha, a saber, que a humanidade foi um experimento que deu errado. E antes fosse por sua vocação primitiva. Justiçamentos a quem sai sem máscara não me surpreendem. Histeria, medo, irmão contra irmão e pai contra filho; políticos usando o desespero do populacho, são coisas mais que esperadas. Espanta-me quem ainda se espanta.

O que não deixa de me espantar e gerar uma saudável ojeriza é a covardia Moderna. Jovens de vinte, trinta anos andando de máscara. Apavorados com um vírus – alguém lhes informe que a humanidade sempre conviveu com pestes e pragas, por caridade. Imaginem se surgisse uma guerra?! Digo e repito: quem nasceu a partir dos anos dois mil já veio ao mundo com algum defeito de fabricação.

E não, não faço parte do pessoal “god vibes” da quarentena, dos que instam a aprendermos um novo hobby etc. Acho tudo isso uma grande caca, para não abusar dos termos chulos. Aliás, fuck is this: acho tudo isso uma bosta.

E o que falar das pessoas que se ocupam de seguir digital influencer, que são pessoas que dizem o que e onde você deve comer, que roupas usar, aonde ir etc. Vendo tudo isso, só nos resta concordar com o mestre Schopenhauer: devemos buscar a têmpera e a altivez para chamar a espécie humana sempre em terceira pessoa – “eles”.

Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.

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