As mulheres que não amavam os homens

05/10/2019

Naquela noite Fernando pensava em Roberta. Depois de umas conversas animadoras, seria justo chamá-la para sair. O que o incomodava era a logística. Ah, a logística!

Em seu raciocínio, pesavam alguns fatores. Ela não morava na cidade, propriamente. Ele teria de ir pegá-la, pois a moça não dispunha de transporte; teria de gastar uns putos a mais com gasolina etc.

E se fazia, antes de mais nada, a seguinte pergunta: quantas vezes valeu a pena o investimento de tempo, dinheiro, restaurantes caros – em que deixava quase todo o salário do mês -, xavecos e motéis? Não se lembrava de uma única e surrada vez que teria valido a pena. Era um raciocínio insofismável.

Era um homem comum. Acostumado a ter de ralar muito para obter o que quer que fosse, era, sobretudo, consciente de que fazia parte do contingente dos oitenta por cento dos homens que não são cobiçados pelas mulheres.

Lembrou-se de sua idade. Embora fosse relativamente jovem, estava cansado. Lembrou-se das mulheres que passaram em sua vida. Realizava-se, ali, a inevitável viagem proustiana à procura do tempo perdido.

Rafaela. A moça de olhar blasé, intensa, que queria um homem que aceitasse seu “gênio” romântico, passional, exagerado e, por isso mesmo, melodramático. A moça que não sabia “Amar mais ou menos”; que era “8 ou 80, do amor ao ódio”; que lhe fazia declarações e exigia dele libelos e tratados de amor.

Ela que pensava o amor como sendo aquele sentimento que “enxerga o lado sombrio do outro e o acolhe”.

Leitoras, vocês já devem imaginar, da famigerada e superestimada Clarice Lispector. “Ora bolas, uma pessoa que pensa o amor assim, como sendo um turbilhão de sentimentos impulsivos, mas carente de um objeto estável, tem é de crescer e virar gente”. Mas esse pensamento só lhe ocorreu um ano após término indigesto da relação.

Andréia. Prática, sem arroubos românticos. Não fazia questão de fotos e declarações de amor. Isso o encantou a princípio. Uma mulher sem grandes dramas e sem possíveis finais trágicos. Passados alguns meses, percebeu que ela encarava a relação como sendo um presente dado a ele. Ele deveria agradá-la e agradecer sempre por ela estar com um homem como ele, pobre. E pobre era uma palavra ampla: ia desde seu salário à sua falta de influência nos círculos em que ela participava. “Não temos afinidades. Teu mundo é oposto ao meu”, disse ela um dia. Acabaram tudo sem grandes explicações, como nas relações modernas.

Um painel de macro e micro relações se passava em sua cabeça. Pequenos casos com grandes finais. Grandes casos apequenados pelo desfecho. Tudo banal.

Mas era sexta. Roberta não lhe saía da cabeça. “Aquele corpo de falsa magra, de coxas firmes e seios durinhos”. Um conflito de visões. Estava deitado mexendo no celular, ainda com a calça jeans e a camisa do trabalho. Começou a rabiscar uma mensagem para ela. Escreveu três letras “F”, “O”, “D’. E adormeceu, deixando a impressão que estava a escrever algo, mas era uma palavra que não poderia terminar.

Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor. 

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