Boas lembranças

01/05/2021

Há poucos dias, minha mãe chegou até onde eu estava, com sua bengalinha na mão e, firmemente, me disse que acordou lembrando de seu pai, o poeta repentista Pedro Guilherme. Contou-me que o pai era chamado para cantar na igreja do lugarejo onde morava. Deixei o que estava fazendo, voltei meu olhar a ela e passei a ouvi-la atentamente.

Perguntei que tipo de música ele costumava cantar. Ao que me respondeu, dizendo ser um hino, dito por ela de um jeito muito confuso e apressado. Pedi para repetir com mais calma, palavra por palavra. Demorei a entender. Percebi que a frase não estava em língua portuguesa, mas em latim. Ela disse que o hino era Tota pulchra es Maria. Fiquei admirada, pois trata-se de uma oração escrita em latim datada provavelmente do século IV, uma antífona própria da Imaculada Conceição.

Fiquei a imaginar meu avô, enquanto isso minha mãe, que tem uma memória um pouco falha, surpreendeu-me ao cantar alguns trechos. Foi fascinante saber disso e ouvi-la. Meu avô certamente aprendera esse hino apenas ouvindo, que depois de memorizado, cantou com sua voz potente, voz de poeta, voz de quem fazia a poesia de repente.

Ele foi acometido de uma cegueira irreversível e a poesia chegou como luz, como voz que se anuncia e canta o verso produzido na hora, canta o hino aprendido de ouvido, canta Maria, Mater clementíssima, pede e clama, ora pro nobis. O cego poeta cantava Tota pulchra es Maria.

Não deu tempo conhecê-lo, mas dizem que era um bom poeta, que os versos nasciam fáceis de sua memória imaginativa. Faça um verso e ele fazia sobre qualquer tema. Eis uma estrofe que costumava dizer: “Quando a chuva cai no chão/ nós todos se interessa / e corre muito depressa / pra plantar milho e feijão / pois é nossa obrigação / pra ver se temos sorte / o ferro segura o corte / que a coisa tá vencida. / Nem saúde é muita vida / nem doença é pouca morte”.

Ah, a vida! A vida tem tanta coisa boa! Naquele dia, minha mãe me mostrou um passado tão bonito, tão cheio de graça! Tomara que ela possa, em outra manhã qualquer, me contar outras recordações.

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