Graciela Bessa Psicóloga

18/04/2020

‘O mundo lá fora e o mundo aqui dentro’

Em meio à crise da Covid-19, o Jornal A Praça publica entrevista exclusiva com a jovem psicóloga Graciela Bessa, na tentativa de cooperar com os leitores, no sentido de melhor compreender o atual momento que estamos vivendo e as mudanças no Mundo; o isolamento social e seus efeitos e como não deixar que isto seja ainda mais impactante na vida das pessoas.

A Praça – A crise da Covid-19 desacelerou o Mundo, foi isso? Estamos vivendo aquela sensação de que tudo estava indo rápido demais e agora é preciso parar um pouco para compreender?

Graciela – Nós vivemos atualmente, de acordo com a perspectiva do sociólogo Zygmunt Bauman, em uma modernidade líquida, na qual as relações e o modo de funcionamento é muito fluido e superficial: não propicia a elaboração de projetos de vida, não se demora, não chega a adentrar na solidez das relações e vivências – está muito ligada à vida agitada, à globalização (conexões e desconexões acontecendo em um clique) e à produtividade. De repente, encontramos uma barreira que não pode ser vencida de forma prática e objetiva, e o mundo desacelera. É necessário que as pessoas não exijam de si uma perfeita adaptação nesse momento, elas precisam assimilar o que está acontecendo e tentar se encontrar nessa nova configuração. A vida agora dá lugar para olhar para si e para o outro, que muitas vezes morava na mesma casa, mas não tinha tempo ou energia para conviver o suficiente.

A Praça – A pandemia isolou as pessoas repentinamente dentro de casa. Para quem tinha uma rotina e uma vida social ativa, o que muda com isso?

Graciela – Há uma angústia pelas pessoas se verem com tempo sobrando e dificuldade em serem produtivas no meio disso tudo. Principalmente para pessoas que viviam de acordo com determinadas metas e planejamentos, há uma quebra, a pandemia nos obriga a parar, a economia entra em colapso e nos deparamos com nossa incapacidade de provar nossa produtividade. Diante disso, algumas pessoas encontram possibilidades de ressignificar dentro das atuais condições, já para outras há uma associação do confinamento com uma forma de prisão, e isso é sentido como uma punição, na medida em que aprendemos que a prisão/privação social é dos priores castigos. Há também a necessidade de se adequar a uma nova forma de funcionamento, que é o home office, no qual há ausência de algo que estabeleça e imponha o fim do expediente, o que requer um gerenciamento das pessoas, de forma que estabeleça esse limite, mesmo estando no seu ambiente de conforto. Independente das questões particulares, é uma situação que leva o sujeito a se deparar com sua fragilidade, com sua impotência frente a acontecimentos que ele nada pode fazer. Para quem já tem predisposição para ansiedade e depressão, é uma situação bastante delicada.

A Praça – É possível estabelecer uma nova rotina, mesmo estando isolado socialmente? Como isso pode ser feito?

GracielaÉ possível e fundamental estabelecer uma nova rotina diante dessa situação, porém antes de tudo, é necessário compreender que essa nova rotina não tem como se equiparar em termos de produtividade e bem-estar a como era feito antes. A dificuldade em aceitar as emoções, a fragilidade desse momento pode acabar trazendo em muitas pessoas a cobrança para permanecerem igualmente produtivas, e dando conta de tudo o que não conseguia antes por falta de tempo. Eram outras circunstâncias. Agora é o momento de compreender nossas fragilidades e emoções diante de tudo o que estamos vivenciando e a partir disso, estabelecer uma rotina dentro das possibilidades e necessidades de cada um – com lazer, momentos de relaxamento, trabalho/estudo, sono, alimentação, tarefas domésticas, etc. Não há um roteiro pronto, é importante que o sujeito consiga estabelecer o que é prioridade e o que ele consegue nesse momento, com metas reais. Uma rotina envolvendo comer bem, dormir bem e fazer algum tipo de exercício físico são fatores que fisiologicamente minimizam processos depressivos e ansiosos que podem acabar se desenvolvendo para quem está mais vulnerável.

A Praça – Nas relações entre os casais, a mudança da rotina pode causar danos? O que fazer para evitar o desgaste na relação, já que agora, ao invés de estarem no trabalho, todo mundo está em casa?

Graciela – Todas as emoções tendem a ter maior intensidade durante o confinamento, podendo significar o fim do relacionamento ou o início de um vínculo mais profundo, dependendo de como já vinha a relação/convivência e como está sendo a divisão e compartilhamento de tempo entre o casal. Por conta da quarentena, o tempo junto não é mais qualitativo – focado em planos conjuntos ou atividades prazerosas para ambos-, envolve responsabilidades, trabalho e ter que dar conta das questões pessoais e rotina, sendo vivenciado sob o mesmo teto. Um dos pontos principais para manter o equilíbrio da relação durante o isolamento social, é aceitar que apesar de estar os dois em casa, não quer dizer que estão disponíveis o tempo todo, sendo fundamental compartilhar e entender as responsabilidades e rotinas do outro. Também é importante tirar um tempo a dois, ter algum lazer, assistir a um filme, dialogar, organizar as finanças da família, fazer planos futuros etc, pois mesmo o dia inteiro um do lado do outro, é necessário garantir que não acabe acontecendo um distanciamento na relação.

A Praça – No caso específico das crianças, como trabalhar com elas para que a convivência em família, com todo mundo em casa seja prazerosa?

Graciela – É importante compreender o quanto as crianças são expostas aos efeitos da perda de relação social presencial e concreta, pois brincar com outras crianças é uma das coisas mais importantes para o seu desenvolvimento e criatividade, e para elas a compensação pelo vídeo tem muitas perdas. Então, é importante ajuda-las a expressar o que sentem (através de desenhos, musicas, histórias ou brincadeiras), construir uma rotina, separar um tempo para realização de atividades lúdicas e pedagógicas, ter um momento em família – seja assistindo um filme que elas escolham ou com alguma brincadeira coletiva; e limitar as tecnologias, determinando horários específicos.

A Praça – Muitos pais evitam falar com os filhos sobre o que está acontecendo no mundo com a pandemia da Covid-19. Você acha importante conversar com elas e explicar o que está havendo?

Graciela – As crianças sentem as mudanças e sabem que algo está acontecendo, mas muitas vezes não sabem do que se trata. É fundamental conversar com elas, de forma lúdica – apropriada a idade -, passando segurança, e que elas compreendam o que está acontecendo, até mesmo contribuindo nos hábitos de higiene e prevenção. Diferente do que se acredita, isso minimiza ansiedade e as auxilia no desenvolvimento de mecanismos para lidar com as emoções diante da situação. Quando a criança sente que algo está acontecendo, mas isso não lhe é comunicado de forma adequada, ela preenche essa lacuna com sua imaginação, o que pode aumentar e distorcer o que realmente está acontecendo.

A Praça – Como cuidar da ansiedade e depressão vivendo no isolamento social? Isto não ajuda a agravar ainda mais os casos de transtornos mentais?

Graciela – Pessoas que tem problemas emocionais preexistentes tendem a ficar mais angustiadas nesse período, pois para além da sua forma de ver a si mesmo, o mundo e suas relações, há o excesso de notícias sobre a pandemia, a mudança de rotina, o distanciamento físico, e as consequências econômicas, sociais e políticas relativas a esse novo cenário. Pessoas que tem ansiedade e depressão geralmente tem uma auto-cobrança muito forte e uma dificuldade em lidar com situações que fogem do seu controle, então acabam tendo dificuldades em realizar algumas tarefas, inclusive prazerosas, e se cobram ou se sentem mal quando não conseguem dar conta disso. Para minimizar os efeitos negativos e diminuir a ocorrência de sintomas físicos característicos do quadro (seja de ansiedade ou depressão), é importante que seja estabelecida uma rotina levando em consideração as necessidades e o bem-estar do sujeito, que limite a quantidade de tempo dedicado às notícias e escolhendo fontes confiáveis, manter contato virtual com amigos e familiares, promover o autocuidado, exercitar técnicas de respiração, fazer coisas que gosta e aceitar suas próprias emoções, inclusive buscando ajuda quando sentir que está precisando.

A Praça – A percepção que se tem, com a instalação da crise pela Covid-19, é que as pessoas estão mais sensíveis. Ou seja, elas choram com mais facilidade e até se descobrem praticando atos de solidariedade? Isso pode ser efeito do ‘isolamento’?

Graciela – Diante da pandemia, levando em consideração a dimensão mundial, a sensibilização diante da morte (em massa), e ao ver isso cada vez mais próximo, acaba gerando uma reflexão, um medo diante do por vir, a incerteza. Não há como saber quem estará livre disso, pois a doença não escolhe classe econômica, etnia ou nada do tipo, e então a gente tende a ver o mundo todo como um só grupo, unidos, “em um mesmo barco” digamos assim. Esse sentimento de pertencimento aumenta a sensibilidade para com o outro.

A Praça – Sobre o luto: o efeito mais devastador do coronavírus é que as pessoas estão morrendo e suas famílias sequer estão tendo a chance de velar, se despedir, dar um último adeus. Que referência se dá a isso? Que tipo de luto?

Graciela – Apesar de ser uma experiência única e puramente individual de cada sujeito, diante dessas situações, o processo de elaboração do luto se torna mais complexo. A perda súbita, a despedida rápida que é interceptada pelo risco da contaminação e a continuidade do distanciamento social – impossibilitando encontros com amigos e familiares, são fatores que interferem diretamente na vivência do luto, e uma vez que ele precisa ser vivido para ser superado, essas barreiras dificultam esse processo. Velórios e sepultamentos são rituais que servem como elementos de constatação da morte, fazendo parte de um ritual de compreensão e aceitação. A privação disso pode acarretar um luto patológico – não sendo via de regra. Portanto, apesar do luto ser uma resposta natural à perda, a pessoa enlutada pode precisar de suporte diante da situação atual, pois requer dela uma maior capacidade de simbolizar e assimilar a perda.

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