Mobilidade urbana, gentrificação, arquitetura hostil e o direito à cidade

02/12/2023

Por Anna Lays do Carmo Brandão (Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo da FASC)

Quem tem direito à cidade? Se a cidade pertence a todos, por que minorias são expulsas dos centros e isoladas por meio de medidas agressivas como gentrificação e arquitetura hostil? Por que ao invés de aplicar medidas desumanas o governo não se preocupa em facilitar a mobilidade urbana e garantir a segurança dela? A luta pelo bem-estar da população é desanimadora quando seus oponentes são empresário que pensam apenas em seu ganho pessoa. Eles têm poder em suas mãos e a nossa voz, mesmo no coletivo, se torna fraca em comparação com o dinheiro que move o mundo do capitalismo. Então, só nos resta assistir à desumanização das cidades e mercantilização dos centros, das pessoas e da natureza.

Segundo o historiador Iain Borden, “Somos cidadãos da república apenas na medida em que estamos trabalhando ou consumindo mercadorias diretamente”. A partir disso, podemos destacar a forma degradante que moradores de ruas e pessoas pobres são tratadas como indigentes. Mesmo sendo cidadãos da cidade, os centros urbanos não são projetados para eles, e ao observar o planejamento das metrópoles, é fácil perceber a forma de exclusão das classes mais baixas. É notório como o governo quer “limpar” a cidade e tirar de sua vista os problemas de pessoas em situação de rua e pobreza. Um dos meios que os ajuda nesse objetivo é a chamada “Arquitetura hostil”, uma ideia de projetar espaços com o propósito de diminuir a presença de certos grupos em determinados locais. Exemplos disso são bancos de paradas de ônibus ou praças com acentos divididos, impedindo o descanso de sem-teto e o uso de dispositivos que emitem sons agudos para afastar jovens de espaços públicos evitando protestos, entre outros.

Portanto, fica o questionamento: o que essas pessoas fizeram para serem tratadas assim? Por que não podem desfrutar de espaços urbanos confortáveis? Simples, elas não possuem o que os empreendedores desejam, não têm dinheiro, não são de famílias nobres e muitos não possuem nem documentos. Para o governo, eles não são considerados cidadãos e muito menos seres humanos. Portanto, muitas vezes a cidade não será para todos, mas para quem pode pagar por ela. Um dos opositores desse método de arquitetura é o padre Júlio Lancellotti, que já destruiu a marretadas “espetos” instalados no litoral de São Paulo para afastar moradores de ruas. O sacerdote ainda acrescentou em suas redes sociais que associa essas medidas como uma forma de aporofobia, termo que significa medo e desprezo aos pobres. Além disso, uma matéria do G1 mostra que a câmara aprovou a lei Júlio Lancelotti, que proíbe “arquitetura hostil” em espaços públicos.

Outra forma de apagamento da classe baixa é a gentrificação, termo que surgiu na Inglaterra pela socióloga Ruth Glass em 1964. Ao se traduzir esse termo para o português seria como um aburguesamento dos centros das cidades. Esse processo faz com que moradores tenham que sair de suas casas para dar espaço para prédios de luxos e outros prédios de interesse privado aumentando a desigualdade social e contribuindo para o processo de favelização. Esse processo também é desumano, uma vez que o governo considera a revitalização urbana como uma desculpa para substituir pessoas de baixa renda por pessoas com mais poder aquisitivo, entretanto o espaço deve ser revitalizado sem expulsar a população local.

Entretanto, muitas pessoas ainda acreditam que ao aumentar o número de prédios, as oportunidades de emprego crescerão. No entanto, percebemos que essas vagas serão mais acessíveis às pessoas que residem próximo ao centro, devido à precária situação do transporte público e o congestionamento de tráfego que dificulta a locomoção na cidade. Muitas empresas preferem contratar colaboradores que possuam veículo próprio, a fim de evitar problemas de atrasos, como revelado em uma pesquisa realizada pelo site Diário do Transporte, que apontou que 59% dos trabalhadores utilizam carro particular, enquanto apenas 36% recorrem ao transporte público.

Dessa forma, percebemos que os desafios relacionados aos nossos direitos na cidade são variados, abrangendo desde a imigração forçada até a exclusão social e o descaso com o planejamento de espaços públicos. É fundamental compreender que a cidade também é o nosso lar, onde construímos memórias e conexões com outros indivíduos. Ela deve ser planejada com o objetivo de aprimorar as experiências sensoriais e tornar-se acessível a todos. Pessoas de baixa renda, sem-teto e com deficiências também merecem e devem encontrar seu lugar na cidade.

O interesse pessoal deve ser deixado de lado em prol da empatia, que deve ser um valor importante na moral e ética dos representantes que elegemos para governar nossa cidade. É nosso dever exigir políticas públicas que melhorem a qualidade de vida na metrópole e protejam tanto a vida quanto o meio ambiente local. Tais medidas não devem ser implementadas apenas em épocas eleitorais ou quando os problemas se tornam tão evidentes devido à negligência que não podem mais ser ignorados.

Em conclusão, é necessário que se tomem medidas para impedir processos como a gentrificação e a implementação de arquitetura hostil, visando a mobilidade urbana nas cidades. Essa responsabilidade recai sobre o governo, que deve criar políticas e projetos que evitem os problemas mencionados. Além disso, é fundamental conscientizar a população sobre seus direitos na cidade. É hora de agir e trabalhar juntos para criar cidades mais justas, inclusivas e acolhedoras para todos.

*Texto produzido na disciplina Leitura e Produção Textual ministrada pelo professor José Roberto Duarte

MAIS Notícias
É possível comprar um imóvel no céu?
É possível comprar um imóvel no céu?

Não é de hoje que algumas pessoas têm oferecido um terreno no céu, como uma proposta de transação imobiliária para entrar no ambiente celeste. Na realidade a resposta para a pergunta que intitula essa coluna é um NÃO literalmente MAIÚSCULO. O direito civil brasileiro...

E ela se foi pra nunca mais voltar!
E ela se foi pra nunca mais voltar!

Quando, na sua mocidade, o compositor cearense Evaldo Gouveia buscava a sorte no Rio de Janeiro, ele conheceu um pernambucano chamado Manoel Araújo, que era dono de um restaurante, localizado no bairro do Lema, chamado Cabeça Chata. Manelzinho, como era conhecido o...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *