Por uma Estação Cultural

24/04/2021

Coluna Iguatu Antigo
Emmanuel Montenegro

A Estação Ferroviária de Iguatu é patrimônio histórico e cultural que guarda parte relevante da história do município. O prédio fica na avenida Doutor José Holanda Montenegro.

“A ponta dos trilhos da E. F. de Baturité chegou a dois quilômetros da cidade de Iguatu. A estação desta cidade, cujas obras já estão quase concluídas será inaugurada no dia 5 de novembro próximo”, noticiou o jornal O Estado de São Paulo, em 19 de outubro de 1910.

Marco no desenvolvimento regional do país, a ferrovia propiciou ao interior cearense o avanço da cultura do algodão, que foi, por mais de um século, uma das principais atividades econômicas do Ceará, sendo Iguatu uma das cidades de maior produção do ouro branco, a partir dos anos 1920 até a crise algodoeira em todo o território cearense em decorrência da praga do “bicudo”, em fins dos anos 1970.

“A linha férrea foi inaugurada no começo do século XX e permitiu o escoamento da produção com maior rapidez, centralizando as atividades de uma extensa área do interior e alterando o traçado de ruas, praças e becos. Nesse período, a cidade experimentou apreciável desenvolvimento, ocasionado principalmente pelo surgimento de indústrias de beneficiamento de arroz e algodão”, escrevo em meu livro Tramas de Calçada – Uma novela jornalística, que traz um recorte da história do Iguatu. O passado me fascina e a valorização desse passado tem me acompanhado em minhas escolhas na vida e na escrita.

A estrada de ferro impulsionou o desenvolvimento local com transporte de passageiros e de cargas

História e Memória

A estação de Iguatu foi a terminal da linha-tronco, ou linha Sul, da Rede de Viação Cearense (antiga Estrada de Ferro de Baturité), até agosto de 1916, quando houve prolongamento até Cedro, Lavras da Mangabeira no ano seguinte e, em 1926, Crato, seu ponto máximo, tendo o porto de Fortaleza como local de saída do algodão para o mundo. Iguatu assumia papel de destaque no contexto das relações intermunicipais da Região Centro-Sul do Estado. Dez anos antes, havia sido inaugurada a ponte metálica sobre o rio Jaguaribe, mesmo ano da inauguração da estação de José de Alencar (Alencar).

A chegada da estrada de ferro foi determinante para que o município se tornasse um dos principais produtores de algodão do Ceará, e símbolo de uma conquista que se deveu ao líder político local, coronel Belisário Cícero Alexandrino, presidente da Assembleia Estadual (1900-1912) e membro da oligarquia de Nogueira Accioly. Desde aí, a estação foi cenário de episódios marcantes da história do Iguatu, do Ceará e do Brasil.

“Na estação ferroviária de Iguatu, a população assistiu curiosa ao desembarque do canhão e de 150 homens provenientes de Fortaleza”, registrou o jornalista Lira Neto em seu livro “Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão” acerca do canhão trazido por Emílio Sá, “um dos mais prestigiosos chefes da capital”, enviado pelo presidente do Ceará, Franco Rabelo, para lutar na Sedição de Juazeiro, conflito entre as oligarquias cearenses e o Governo Federal ocorrido em 1914 e liderado pelo padre Cícero Romão Batista.

Em função da grande seca de 1915, milhares de retirantes, inclusive de estados vizinhos, embarcaram na estação de Iguatu em direção à capital cearense, em busca de melhores condições de vida.

O trem trouxe dois presidentes da República à Terra da Telha. Em 1926, Washington Luís, recém-eleito, foi recepcionado por autoridades locais e membros da Associação Comercial, que lhe entregaram memorial com pedido para abertura de agência do Banco do Brasil. O evento foi assistido por uma multidão reunida em volta do prédio da estação. Em 1933, Getúlio Vargas, acompanhado de comitiva formada pelos ministros da Viação e Agricultura, Dr. José Américo e major Juarez Távora, respectivamente, e pelo inspetor das Regiões Militares do Norte, general Góes Monteiro, visitou municípios do interior cearense, entre os quais Iguatu, onde desembarcou de trem, no pátio da Companhia Industrial de Algodão e Óleos (Cidao), que tinha ramal exclusivo da ferrovia. Em solo iguatuense, Getúlio conheceu o recém-inaugurado Hospital Santo Antônio dos Pobres, a convite do ex-prefeito e médico, responsável pela construção da unidade hospitalar, Manoel Carlos de Gouvêa, que ofereceu ao presidente e sua comitiva um banquete, com o intuito de conseguir recursos para o Hospital. Dois anos depois, Dr. Gouvêa seria nomeado mais uma vez prefeito de Iguatu.

Aglomeração de flagelados da seca em Iguatu à espera do trem para levá-los aos campos de concentração

Prédio histórico

Mais do que transporte de cargas e passageiros, a locomotiva era uma máquina de sonhos, conduzindo em seus vagões as expectativas e esperanças de quem partia ou chegava às estações, que se tornaram ponto de encontro e local de passeio da população. O apito do trem regulava os hábitos e marcava as horas.

Esse período áureo da ferrovia em Iguatu ficou para trás e o prédio da estação se encontra abandonado, assim como o prédio da Estação Ferroviária Engenheiro Barreto, em Suassurana, este tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A estação de Alencar foi demolida pelos moradores, temerosos de que a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) se apossasse de suas casas, já que era proibida alteração das estruturas no entorno do prédio.

Em 2010, a Prefeitura comemorou os 100 anos da chegada da estrada de ferro, com palestra, exposição fotográfica, exibição de documentário e lançamento de livro. Depois disso, o prédio da estação foi “esquecido” pela administração municipal. Movimento em prol de sua revitalização e de políticas públicas de cultura foi organizado em 2016, por um grupo de jovens ligados às artes e interessados na história e memória iguatuense, que tiveram suas reivindicações ignoradas pelo poder público. Efeito do descaso com a história e a memória do nosso município, tão carente de políticas públicas destinadas à área cultural. Até mesmo a Secretaria de Cultura foi extinta no início deste ano, sendo as ações da pasta absorvidas pela Secretaria de Educação.

Incêndios

Esse processo de abandono do prédio centenário, de propriedade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) e cedido à Prefeitura, compromete sua estrutura física, que vem sendo deteriorada pelo efeito do tempo. Em outubro do ano passado, um galpão da estação que servia de almoxarifado da Secretaria de Cultura foi destruído por um incêndio, que consumiu todo o acervo decorativo de eventos municipais, com prejuízo estimado em cerca de R$ 600 mil. Os Bombeiros apontaram indício de fogo criminoso, mas investigação da Perícia Forense do Estado do Ceará não apontou culpado e o inquérito foi arquivado pela Delegacia Regional de Polícia Civil de Iguatu, que ainda aguarda laudo pericial da Pefoce relativo a um segundo incêndio, ocorrido em novembro do ano passado. Outros incêndios de pouca intensidade foram registrados no local nos últimos anos. O último, em janeiro deste ano, atingiu o prédio da antiga oficina que funcionava como depósito de pneus da Prefeitura.

Suassurana

Inaugurada no mesmo dia da estação da sede de Iguatu, a estação de Suassurana vive outra realidade, mas que ainda necessita de apoio do poder público para se concretizar.

O “Projeto Estação Cultural: reforma e revitalização da Estação Ferroviária Engenheiro Barreto” é uma proposição da Associação de Desenvolvimento Social, Cultural e Econômico de Suassurana (Adesce), organização social fundada em 2020 que tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento humano e sustentável do distrito, por meio de ações estratégicas de formação pessoal e social, resgate e valorização cultural, apoio à geração de trabalho e renda e promoção do desenvolvimento socioambiental. Ciente do valor histórico da estação para Suassurana, a Adesce busca obter junto a Prefeitura e ao DNIT, a cessão de uso do imóvel para transformá-lo em Centro Cultural, que irá ofertar à comunidade atividades artísticas e culturais, como oficinas, exibição de filmes e apresentações teatrais, além de promover a cultural local.

Mas a pandemia e a falta de horário disponível por parte dos gestores municipais ainda não tornaram possíveis a realização do Projeto Estação Cultural. O DNIT emitiu parecer favorável ao uso do prédio da estação pela Adesce, desde que o Município revogue o convênio firmado. Enquanto isso, a Adesce se mobiliza para obter o termo de uso do imóvel, em diálogos com o deputado estadual Marcos Sobreira, presidente da Comissão de Cultura e Esportes da Assembleia, e o arquiteto e urbanista, ex-secretário municipal, Paulo César Barreto, que se dispôs a ajudar no projeto arquitetônico da reforma da estação. Em reunião recente com o secretário de Desenvolvimento Econômico Trabalho e Turismo (SEDET) de Iguatu, Sá Vilarouca, foi pedido empenho para a aquisição do imóvel.

Fica aqui um alerta, não apenas para as autoridades municipais, mas também para quem poderia ajudar a Adesce a realizar esse sonho: precisamos cuidar em preservar a nossa história enquanto ela ainda existe. “Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.” [José Saramago]

 

Membros da Adesce em frente à Estação Engenheiro Barreto (Suassurana)

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1 Comentário

  1. BRUNO LEONARDO DA SILVA ROCHA

    Existem alguns pontos e furos de informação na redação.
    Acerca da estação de Iguatu, gostaria de deixar o meu contato para atualizar dos procedimentos burocráticos que consegui realizar para o termo de cessão, algo que tb pode ajudar a Adesce.

    88.99648-1074

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