1893: Clube Iguatuense realiza curso noturno de instrução

28/10/2023

O mês de outubro tem uma especial data comemorativa, o 15 de outubro, dia dos professores. E, apesar desta matéria sair com algum atraso, quero dedicá-la a todos os professores, especialmente àqueles com quem convivi no Centro Educacional Cenecista Ruy Barbosa, colégio que formou diversas gerações e deixou um grande legado para a sociedade, além de muita saudade.

Diante de tantas possibilidades de eventos e períodos para se pensar a história da educação brasileira, trago um recorte de fins do século XIX. Para tal, busco amparo nas matérias que circulavam nos jornais estaduais, geralmente na forma de despachos oficiais, mas também informativos, a fim de poder analisar como se encontrava a situação educacional da cidade de Iguatu.

De maneira geral, o cenário educacional brasileiro de fins do século XIX possuía sérias limitações no tocante ao acesso por parte da população ou disponibilidade de turmas. Esse era um período de ainda altos índices de analfabetismo, com uma parcela restrita da população podendo acessar a educação secundária e mais restrito ainda o ensino superior. Sem a obrigatoriedade da conclusão do curso primário para se ter o acesso ao ensino secundário, as famílias abastadas frequentemente contratavam professores particulares para instruírem seus filhos em casa (Aranha, 2006, p. 315).

 

No nível institucional, esse é ainda o momento que tem início o debate de um novo modelo escolar, mas que não se faz presente ainda na prática cotidiana no interior do estado. A nível nacional, especialmente após a Constituição republicana de 1891, começa a se pensar sobre a construção dos grupos escolares do tipo monumentais, a escolarização seriada, a refletir sobre os procedimentos e métodos de ensino e a formação do professor. No quesito estrutura predial, somente no ano de 1923 é que se inaugura um grupo escolar em Iguatu, conforme registra R. Batista Aragão (1998, p. 90).

No âmbito estadual, os jornais de fins do século XIX frequentemente anunciavam a migração de professores de uma localidade para outra para assumir uma cadeira de ensino misto (quando as aulas eram ministradas para ambos os sexos ao mesmo tempo), ou voltadas para o sexo feminino e sexo masculino separadamente. Aqui chama atenção a predominância de professoras e da possibilidade dessas mulheres, quando professoras, poderem migrar ou mesmo morar na casa de outra família sozinhas, sem que alguém de sua própria família precise acompanhá-las. Apesar dessa relativa independência para o trânsito, ser professora normalmente significava ainda não ser (ou não poder ser) casada (Rosemberg, 2012, p. 353).

Para as famílias mais humildes restavam as cadeiras isoladas do ensino primário que, quando havia, podiam ser ofertadas gratuitamente e frequentemente em estruturas prediais improvisadas. Numa matéria do jornal Libertador, de 19 de março de 1890, ed. nº 67, as escolas públicas do estado do Ceará atendiam um total de 1.216 alunos, tendo uma média de 20 alunos por escola – apenas uma delas localizada na cidade de Iguatu. Apesar de a matéria não mencionar as iniciativas privadas, ela sinaliza para o número diminuto de pessoas alfabetizadas mediante incentivo público.

Até meados de 1930, por exemplo, diversas instituições (agora no período dos grupos escolares) possuíam como norma para as professoras a não contratação de matrimônio. Romana Maria da Purificação, Raymunda Guedes Teixeira, Etelvina de Hollanda Lavor, Maria Francisca de Sat’Anna, Amélia da Rosa Carvalho, Maria do Rosario Diniz, Balbina Lydia Vianna Arraes, Altina Georgina Vianna Arraes, Jacob Weyne Bellino Barros, dentre outros, foram alguns dos professores que atuaram na cidade de Iguatu no período de 1883 a 1894, ocupando cadeiras nas modalidades de ensino “mixto”, do sexo masculino e do sexo feminino. Tais correspondências tratam não apenas das transferências de uma localidade para outra, mas ainda sobre seus vencimentos, aposentadorias e licenças por motivos de saúde. Diante desse cenário, convido o leitor a ler o seguinte documento, uma matéria do jornal A República, de 31 de maio de 1893, edição nº 123. Trata-se de uma iniciativa idealizada pelo Club Iguatuense como mais uma possibilidade de “instrucção” no correspondente ensino primário, divulgado seu curso noturno, ofertado para diversas faixas etárias e com professores voluntários, membros do referido clube.

“Club Iguatuense

Curso Noturno

O maior bem que se pode legar a humanidade é facilitar-lhe a instrucção.

Assim pensando o Club Iguatuense resolveu em sessão magna do grandioso dia 13 do corrente ahri as suas expensas um curso nocturno, servindo de professores alguns de seus membros e, effectivamente, no dia 15 as 15 e ½ horas da tarde foi inaugurada a escola, subindo ao ar girandolas de fogos.

Facto admiravel, já teem matricula 40 alumnos de idade de 6 annos, até adultos, entre estes alguns casados; pois se despensa a propria decensa nos vestidos aos que por sua pobresa não podem têl-a.

Tão nobre quão humanitaria idéa não deve passar sem os encomios de quem ama o progresso, por isto não podemos deixar de proclamal-a do alto da imprensa para que fique registrado e chegue ao conhecimento de todos, felicitando os seus autores.

E é de esperar que o benemerito do governo e o ilustre cidadão que chefia a instrucção publica do Estado prestem á essa escola todo o concurso e apoio de que necessita.

Rendendo assim um culto ao bem, tenho cumprido o meu dever.

Iguatú, 22 de maio de 1893.”

 

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

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