Eu não tenho paciência de ser preso

18/05/2019

Cauby Fernandes*

“[…] Eu não tenho paciência de ser preso”, dizia, incessantes vezes, o futuro suicida no conto “O Preso”, do excepcional Moreira Campos (1914 -1994). Não ter paciência é, antes de tudo, uma qualidade humana. A ausência de paciência é, grosso modo, um sinal de alerta ante uma situação de extrema pressão sofrida pela nossa mente ou corpo – ou ambos. Trata-se de uma defesa natural para evitar que adoeçamos ou soframos o mal-estar de uma circunstância tediosa, lastimável, angustiante etc.

Eu, por exemplo, não tenho paciência para as trivialidades e vulgaridades da nossa contemporaneidade. Não tenho tido paciência para a auto-bajulação dessa gente narcisista; para essa nossa infundada lógica de sermos bons e merecedores de um galardão – seja ele qual for. Customizam Deus para, assim, ignorar suas fragilidades e legitimar suas vaidades e modo de vida questionavelmente torpe; duvidoso.

Paciência, nesse caso que proponho, que sugestiono, não é virtude; é exatamente o oposto: é defeito – e dos piores! Não ter paciência, eis a qualidade dos que não se permitem embarcar nessa linha tênue entre a sanidade e a insanidade do homem moderno.

Obviamente, como o leitor deva supor, virão alguns desentendimentos e más interpretações por parte daqueles que nos encontra o epíteto de arrogante. Arrogância, para eles, é tudo o que não suportamos no outro (nesse caso, neles). Ou seja, se acatamos toda sorte de estultícias dessa geração sedenta por atenção, somos benevolentes e respeitadores da “diversidade da vida colorida”; no caso contrário – o da nossa irredutível impaciência e estranheza ao outro – somos, no mínimo, como dito, arrogantes – e, não esqueçamos, preconceituosos.

Não. Simplesmente, não tenho tido paciência para os emuladores de fralda e barba. Um homem aprende muito mais na solidão do seu quarto, com um bom livro, uma boa canção e bebida, do que com os chatos e chatas de plantão. A minha vó, que é analfabeta, é mais sábia e “macho” do que muitos “cultos de chavões” que conheço. Paciência para com estes, senhor, é um desrespeito consigo mesmo; não cometa tal crime. O desprezo é o bem proceder para com os que pensam mudar o mundo com textos teóricos lindos, mas que, ao saírem papel, não passam de piadas – levadas a sério apenas pelos anômalos pacientes. Ter paciência? Não! Também não tenho paciência de ser preso no mundo dessa gente! Livre, avesso e alheio, sempre!

*Contista, cronista, desenhista e estudante universitário.

MAIS Notícias
O Conservadorismo de Michael Oakeshott
O Conservadorismo de Michael Oakeshott

‘‘Assim, ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente...

Supressão da liberdade de expressão
Supressão da liberdade de expressão

  ‘‘Se nós não acreditamos em liberdade de expressão para pessoas que detestamos, nós não acreditamos em liberdade de expressão.’’ - Noam Chomsky   Há pouco tempo (no início do mês abril) falei, aqui, neste importante periódico, sobre a espiral do silêncio,...

Conhecendo a boa música, o rock! (parte I)
Conhecendo a boa música, o rock! (parte I)

O ano era 1992 (eu acho), quando, ao ouvir uma fita K7 (de artistas diversos) que minha mãe escutava enquanto lavava roupas, me deparei com uma canção de um sujeito que eu gostei bastante. Aos dez anos, não sabia o que era estilo musical, portanto, sertanejo, pagode,...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *