Só os ridículos morrem.

13/07/2024

“Minha história? Escutai: o passado é um tumulo, perguntai ao sepulcro a história do cadáver! ele guarda o segredo… Dir-vos-á apenas que tem no seio um corpo que se corrompe! Lereis sobre a lousa um nome — e não mais!”

Álvares de Azevedo, Noite na Taverna

 

Certa feita estava eu no Bar do ”X”, tomando aquela velha cerveja gelada, quando me sobreveio um pensamento (ou insight, chame como quiser) – desses que temos enquanto estamos sozinhos. Enfim… Pensei sobre a morte dos amigos que ali frequentaram.

Por questão de respeito, não citarei seus nomes. O fato é que foram pessoas que fizeram o que tinham de fazer. É caso de existência dionisíaca, que Nietzsche mencionara em um de seus livros (o livro é ”A Visão Dionisíaca do Mundo”).

Aquelas cadeiras vazias denunciavam que seus cativos frequentadores partiram para outra dimensão ou para o nada absoluto, mas que, antes disso, entretanto, fizeram de suas existências o inexorável caos e prazer: díade ineliminável da condição humana.

Ali conheci pessoas de carne e osso. Pessoas que choraram os seus amores impossíveis; dormiram nas calçadas dos bares da vida; amaram e foram amados, e mal amados. Conheci deficientes físicos onde sua única limitação era a dependência de uma miserável e surrada muleta (outros – já deprecio – dependem horrivelmente de muletas metafísicas).

Conheci senhores distintos e suas falácias e ”gabolices”. Vi, ali, casais apaixonados em fim de festa; homossexuais da mais baixa qualidade e outros do mais alto respeito. Ouvi histórias de homens que foram rejeitados por outros homens e, assim, entregaram-se ao vício e a quem mais passasse por suas vidas.

Esses gays do bar ”X” me fizeram acreditar em histórias de amor mais do que muitos casais héteros. Naquele bar, fui aconselhado e aconselhador. Entre um copo e outro, muitos iam e viam. Sorriam, discutiam e, no fim, tudo terminava em galhofas.

Voltando aos mortos, cheguei à conclusão de que só os ridículos morrem, pois, para mim, ridículo é não viver a vida de acordo com as paixões desenfreadas do nosso particular instinto, desejo. Por mais estranho que se possa parecer, a felicidade pode estar em dormir na calçada ao invés de uma cama confortável.

Alguns optam pelo ostracismo, e isso não é ridículo. Ridículo é condenar as ”opções” de outrem, tratá-los mal. Se achar superior a quem aparenta estar em pior condição, é o suprassumo da estultice humana. Só os ridículos morrem!

 

Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História

MAIS Notícias
O Conservadorismo de Michael Oakeshott
O Conservadorismo de Michael Oakeshott

‘‘Assim, ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente...

Supressão da liberdade de expressão
Supressão da liberdade de expressão

  ‘‘Se nós não acreditamos em liberdade de expressão para pessoas que detestamos, nós não acreditamos em liberdade de expressão.’’ - Noam Chomsky   Há pouco tempo (no início do mês abril) falei, aqui, neste importante periódico, sobre a espiral do silêncio,...

Conhecendo a boa música, o rock! (parte I)
Conhecendo a boa música, o rock! (parte I)

O ano era 1992 (eu acho), quando, ao ouvir uma fita K7 (de artistas diversos) que minha mãe escutava enquanto lavava roupas, me deparei com uma canção de um sujeito que eu gostei bastante. Aos dez anos, não sabia o que era estilo musical, portanto, sertanejo, pagode,...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *