Sobre a vida

27/01/2024

Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido. O fato é o seguinte: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Sêneca – Sobre a Brevidade da Vida.

No momento em que escrevo esta periódica coluna, faz um ‘‘calor abafado’’, como dizem os mais velhos. Faz, também, um agradável silêncio. E é precisamente aí que sou estimulado, juntamente por conta da leitura do último livro lido, a refletir sobre a vida. Sobre a brevidade da vida, melhor dizendo. Qual livro? ‘‘O Deserto dos Tártaros’’, do italiano Dino Buzzati.

A história se passa em um reino sem nome e acompanha a vida de um jovem oficial chamado Giovanni Drogo, que é destacado para servir em uma fortaleza localizada na fronteira do reino. Essa fortaleza está voltada para o Deserto dos Tártaros, uma terra distante e misteriosa habitada por um povo lendário que, ao longo do tempo, se tornou uma ameaça temida.

Drogo chega à fortaleza cheio de entusiasmo, esperando por aventuras emocionantes e grandes feitos heroicos. No entanto, ao longo dos anos, ele se vê preso em uma rotina monótona e percebe que o ataque dos tártaros, que ele tanto aguarda, nunca ocorre. A fortaleza, aparentemente impenetrável, parece existir em um estado constante de preparação para um evento que nunca chega.

O romance explora temas como a passagem do tempo, a ilusão da espera, a busca por significado na vida e a natureza efêmera das experiências humanas. Buzzati cria uma narrativa simbólica que sugere que a vida de Drogo e a espera pela ameaça dos tártaros podem representar uma metáfora para a própria condição humana, marcada pela busca constante por algo que muitas vezes permanece inatingível.

“O Deserto dos Tártaros” é, na minha opinião, um livro de profundidade filosófica e reflexões sobre a natureza da existência humana. Um convite à reflexão existencialista em sua essência. Não é um assunto inédito, pois Sêneca, Sartre e tantos outros já abordaram esta importante temática, ainda que com distintas constatações, percepções. Enfim, o calor continua, o silêncio, também. Despeço-me sugerindo a leitura do livro aqui mencionado. Abraço, preclaro leitor!

 

Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História

MAIS Notícias
Devaneios de um ébrio
Devaneios de um ébrio

‘‘O álcool tira as ilusões. Depois de alguns golos de conhaque já não penso em ti.’’ - Marguerite Yourcenar Devaneio I ‘‘Meu coração é um balde despejado’’, frase contida no impecável poema ‘‘Tabacaria’’, do Álvaro de Campos (heterônimo utilizado por Fernando...

Quando Deus ‘‘’resolve’ ouvir’’
Quando Deus ‘‘’resolve’ ouvir’’

‘‘Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo. Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença.’ Efésios 1:3-4...

O caso do Assassino dos Pães – parte 2
O caso do Assassino dos Pães – parte 2

Após o depoimento da testemunha, e com a chegada do investigador Ronald Silveira – enviado especial, recomendado pelo presidente -, a polícia passou a investigar o caso com maior afinco. O Serviço de Inteligência da capital também se fez presente na cidade. Após...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *