Sobre o “Amor de Perdição” de Camilo Castelo Branco

14/09/2024

Era uma tarde nublada quando eu resolvi revisitar as páginas de “Amor de Perdição”, aquela obra tão intensamente portuguesa e desesperadamente trágica. Camilo Castelo Branco não nos deixa alternativa: ele nos empurra para dentro de um mundo onde o destino, como uma força incontrolável, age como senhor absoluto da vida, do amor e da morte.

Quem já leu sabe, ou pelo menos intui, que esse romance não é apenas uma história de amor. É um mergulho na perdição, naquilo que define o ser humano quando confrontado com o impossível. Simão Botelho e Teresa de Albuquerque não são meros personagens de uma história de amor impossível; são reféns das suas famílias, dos preconceitos e das paixões inflamadas que parecem brotar das profundezas da alma.

Simão, o jovem apaixonado e impetuoso, é o protótipo do herói trágico. Ele ama Teresa com a força de quem não conhece limites, como se o amor fosse a única causa pela qual vale a pena viver e, sobretudo, morrer. E a morte, aliás, ronda o romance como uma sombra constante. Para ele, amar é resistir. Para Teresa, amar é sacrificar-se, como se seu destino fosse o martírio silencioso.

Quando leio o nome Camilo Castelo Branco, não consigo evitar pensar no homem que, tal como seus personagens, viveu em constante tumulto. Preso várias vezes, amou perdidamente, sofreu por suas escolhas e acabou sua vida tragicamente, vítima de uma cegueira que o impediu de continuar a fazer o que amava: escrever. Talvez ele tenha posto algo de si em Simão, ou de Teresa em alguma das mulheres que amou e perdeu.

A cada página de “Amor de Perdição”, sente-se o peso das muralhas que cercam os personagens, erguidas por famílias orgulhosas e uma sociedade inflexível. Simão e Teresa não vivem apenas num mundo de amor e paixão, mas num lugar de amarras sociais intransponíveis. A oposição de seus pais não é só um empecilho; é um presságio. Naqueles tempos, o amor estava destinado a ser sufocado pelas convenções, e o sofrimento, a única constante.

E assim, o romance é um lembrete de que o amor, mesmo quando autêntico e profundo, não está livre das vicissitudes da vida. No final, a perdição é o destino inevitável para os que ousam amar sem medir consequências. Simão morre na prisão, e Teresa, exilada num convento, definha de tristeza. Um amor puro, sim, mas que não poderia sobreviver ao mundo que o cercava.

Fechei o livro, ‘‘indignado’’. Camilo não nos oferece conforto. Não há finais felizes em “Amor de Perdição”. Há apenas a sensação de que, algumas vezes, amar é perder. Mas talvez essa seja a lição mais profunda de todas: o amor, nascido de almas apaixonadas, é mais forte que o tempo, mais intenso que a morte. Talvez a perdição, no fim das contas, seja a única forma de eternidade que nos é permitida.

 

Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História

MAIS Notícias
O Conservadorismo de Michael Oakeshott
O Conservadorismo de Michael Oakeshott

‘‘Assim, ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente...

Supressão da liberdade de expressão
Supressão da liberdade de expressão

  ‘‘Se nós não acreditamos em liberdade de expressão para pessoas que detestamos, nós não acreditamos em liberdade de expressão.’’ - Noam Chomsky   Há pouco tempo (no início do mês abril) falei, aqui, neste importante periódico, sobre a espiral do silêncio,...

Conhecendo a boa música, o rock! (parte I)
Conhecendo a boa música, o rock! (parte I)

O ano era 1992 (eu acho), quando, ao ouvir uma fita K7 (de artistas diversos) que minha mãe escutava enquanto lavava roupas, me deparei com uma canção de um sujeito que eu gostei bastante. Aos dez anos, não sabia o que era estilo musical, portanto, sertanejo, pagode,...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *