Entrevista: Alder Teixeira

27/03/2021

O professor e escritor Alder Teixeira está lançando mais um livro neste início de ano. Trata-se de “Quase Romance”, cuja história está ambientada no Rio de Janeiro durante a ditadura militar. Ainda sem data para lançamento em sua versão impressa, por força do recrudescimento da pandemia no país, o romance do escritor iguatuense tem sido objeto de rasgados elogios nos meios intelectuais da capital cearense. Para o prestigiado escritor Dimas Macedo, por exemplo, “Alder escreveu um livro para a política, a eterna ilusão do amor e a estética da literatura, na plenitude do seu vigor de intelectual e escritor”. Já o ficcionista e editor potiguar Clauder Arcanjo diz tratar-se de “um livro com vocação para clássico, pela estrutura narrativa ousada e densidade na elaboração do conflito central do romance”. O escritor Alder Teixeira concedeu ao jornal A Praça, por telefone, a seguinte entrevista sobre a obra

A Praça – O senhor é autor de várias obras literárias, mas este é seu livro de maior volume. Já era hora de lançar um romance?

Alder – Em princípio, devo observar que o livro é intencionalmente curto do ponto de vista volumétrico. Cortei muito do texto original, pois é difícil levar as pessoas a encarar textos longos num tempo de comunicação rápida, reticente, em que imperam “kkkkkk’s” e rostinhos dos quais escorrem lágrimas ou se veem dentes de sorrisos largos. Quanto a escrever o primeiro romance, para quem se dedicou sempre ao conto e à crônica, textos curtos, e ao ensaio, que se sustenta em fundamentos técnicos mais acadêmicos, foi projeto adiado desde há muito. O romance tem uma estrutura mais complexa, seus elementos, como conflito, espaço, tempo, são múltiplos e a escolha de um ponto de vista (foco narrativo) exige mais atenção. A questão da continuidade, por exemplo, é um desafio, sob pena de a história perder o seu eixo dramático, a sua coerência e a sua coesão. O curioso é que, respeitando essa lógica do gênero, escrevi um livro que rompe com essa lógica, e caracteriza-se pela busca de novas possibilidades estéticas. E, a concluir pelas análises a que o romance foi submetido até aqui, o resultado me parece positivo. O livro tem sido muito elogiado.

A Praça – O que contextualmente o livro narra?

Alder – A história gira em torno de um casal de artistas, ele, escritor, ela, pintora. Ambos são professores e vivem essa história no Rio de Janeiro entre fins de 68 e inícios dos anos 70, em plena ditadura militar. Seus conflitos de relacionamento, em que sobressai o tema do ciúme, dá-se numa atmosfera de horror, perseguições, tortura e mortes. Esses conflitos, no entanto, não se circunscrevem ao relacionamento unicamente, mas se estendem às ideias políticas do casal e suas diferenças em relação à forma de enfrentar um regime ditatorial perverso como o que se instalou no país com o golpe de 1964.

A Praça – A repercussão da obra no meio de alguns críticos literários é boa e já vem com elogios. O senhor imaginava esse reconhecimento tão rápido?

Alder – A rigor, o livro nem foi lançado, pois espero que essa loucura da Covid-19 se acalme e que possamos retornar a uma vida normal. Os que o leram, escritores e pessoas ligadas à literatura, é que têm exaltado o livro pelo que dizem ser denso e inovador na sua construção estética. O livro tem de fato uma tessitura curiosa: a personagem central escreve a sua própria história… e essa história começa e termina com a mesma cena, como se faz em alguns filmes. Há uma consciente utilização da técnica do cinema na sua organização narrativa.

A Praça – O ambiente central da obra é o Rio de Janeiro em plena ditadura militar. Foi algo natural a escolha do Rio? E o período em que a história se passa, alguma semelhança com o Brasil atual?

Alder – Perfeito. O romance nasceu dessa minha indignação com o que vem ocorrendo ao país. Através da arte, da literatura, no caso, quis lembrar aos que se esquecem com facilidade (e aos que desconhecem, porque muito jovens), o que foram esses anos de chumbo, o que houve de perverso contra brasileiros e brasileiras que tiveram a coragem de enfrentar a brutalidade dos militares a partir do golpe de 1964.

A Praça – Paulo e Ana são personagens centrais do romance. Quais os conflitos que cercam esses dois personagens?

Alder – O casal vive problemas de relacionamento em meio aos horrores da ditadura militar. Esse é o conflito central da história.

A Praça – Indiretamente a obra tenta mostrar às novas gerações o que foi o horror da ditadura, de modo particular e direto àqueles que vão para as ruas pedir a volta do AI-5?

Alder – Não diria ser este o objetivo central do romance, pois é o conflito humano, a sondagem de cunho psicológico que perpassa todo o desenrolar da história. A ditadura militar, com suas atrocidades, o clima de medo e angústia que toma conta da sociedade brasileira, a destruição da democracia por força do que estabeleceu o AI-5, servem como pano de fundo da crise existencial do protagonista, Paulo, que escreve, dentro do próprio romance, a história de que participa. Consciente de que o romance é apenas uma expressão de natureza artística, antes de qualquer outra coisa, espero que ainda assim possa levar seus leitores a pensar, a compreender que pedir a volta do regime militar e do AI-5, além de refletir uma ignorância em relação ao que isso representou para o país, em termos de violência contra os direitos fundamentais do homem, do Estado de Direito, representa por si só um tipo de crime contra a humanidade. O livro traz de volta esse tempo de horror como tentativa de levar a efeito uma reflexão sobre o Brasil de agora, quando, equivocadamente, tanta gente apoia um governo que traz em suas bases ideológicas o que existe de pior, de mais abominável, de mais desumano, simplesmente porque odeiam um partido como o PT e uma liderança popular da estatura do Lula.

A Praça – O jornalista e romancista, Zuenir Ventura, no livro ‘1968, o ano que não terminou’, traça uma linha muito tênue do que foi o Brasil daquela época, e como o país reagia às arbitrariedades dos militares, principalmente nos confrontos de rua liderados pelos estudantes protestando contra o regime. Em algum momento, seu livro dialoga com esse e outros autores?

Alder – Sim. “O Ano que não Terminou”, de Zuenir Ventura, é incontornável sobre o período em que se desenvolve a ação do romance, sem a pretensão de reeditar a riqueza desse clássico sobre 1968, claro. É apenas um olhar, rápido, sobre esse momento e sua repercussão na vida de um casal jovem.

A Praça – A repercussão no seio da crítica literária quando é boa é ‘massageador de ego’, mas existe um outro campo de interesse que é o agente literário direto, o leitor, a esse, e para esse é que as obras são criadas. Qual a resposta que o senhor espera desse público?

Alder – Valho-me de Umberto Eco, quando diz que existe a intenção inacessível do autor, a intenção subjetiva do leitor e a intenção do texto. Espero que o texto se diga por si mesmo enquanto literatura. Sem esquecer que o livro, quando lançado, deixa de pertencer a quem o escreveu. Ele é do leitor, e que este faça a sua interpretação. Um romance é uma obra aberta.

A Praça – O senhor fala que o livro começa e termina com a mesma cena, onde praticamente o senhor descreve um ambiente cinematográfico, com nuances de uma luz baixa, uma trilha suave de fundo, literalmente uma cena de filme. Foi uma ‘deixa sutil’ para que futuramente os cineastas possam transformar o livro em filme?

Alder – Bem, na verdade tive de fazer muitos cortes, diminuir o volume do livro, para torná-lo mais palatável, e isso, reconheço, reduziu as potências da história e as chances de vir a originar um roteiro para filme, muito embora a estrutura obedeça à técnica narrativa do cinema. Ao leitor atento, tornam-se evidentes esses elementos formais, a montagem, os cortes, a ruptura da temporalidade. Os capítulos são curtos, curtíssimos, como ‘planos’ de um filme, dando a ver os enquadramentos e os movimentos de câmera (risos), como vemos no cinema.

A Praça – O livro já está disponível para quem tiver interesse de adquirir? Por quais canais o leitor pode conseguir?

Alder – O livro sairá por esses dias em e-book. A versão impressa, assim que a pandemia estiver sob total controle.

MAIS Notícias
Entrevista: Jader Mendonça – Médico Proctologista
Entrevista: Jader Mendonça – Médico Proctologista

“O câncer de intestino tem um fator genético, que é inerente da pessoa, que já nasce com ele, e existem os fatores ambientais. Dentre os fatores ambientais, existe o tabagismo, o etilismo (álcool), a obesidade, o sedentarismo, e existem também os fatores relacionados...

Lu Basile: curadora da exposição do MIS sobre Humberto Teixeira
Lu Basile: curadora da exposição do MIS sobre Humberto Teixeira

A professora do curso de pós-graduação em Artes (UFC) e do curso de Música (UECE), Lu Basile é a curadora de uma exposição sobre a trajetória e obra do músico e poeta iguatuense Humberto Teixeira. Com o tema: “Quando o sertão ganhou o mar - a obra de Humberto...

Entrevista – Dom Geraldo Freire Bispo Diocesano de Iguatu
Entrevista – Dom Geraldo Freire Bispo Diocesano de Iguatu

No último dia 6 de agosto, completou o 1º ano da posse do novo bispo da Diocese de Iguatu, Dom Geraldo Freire. Sobre como tem sido este primeiro ano na Terra da Telha, em sua missão como novo bispo, sua adaptação à região e desafios enfrentados, Dom Geraldo conta em...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *