Entrevista: Dr. Diego Mendonça – Médico Psiquiatra

28/01/2023

“É importante entendermos que o nosso corpo funciona de forma integrada. Ao buscarmos o bem-estar, temos que ter a perfeita noção da simbiose entre o físico e o mental. Estudos demonstram que pessoas que praticam atividade física de forma regular têm uma menor probabilidade de desenvolver quadros ansiosos e depressivos”.

 

O termo Janeiro Branco, segundo a OMS-Organização Mundial da Saúde, diz respeito às discussões sobre saúde mental. A iniciativa surgiu em 2014 visando chamar a atenção para os cuidados com a saúde mental e emocional das pessoas. Nesta edição do A Praça, o entrevistado é o médico psiquiatra Dr. Diego Mendonça, que indiretamente interage com o leitor sobre este tema que deve ganhar reforço e ser debatido o ano inteiro

 

A Praça – Há dois anos a OMS apontou o Brasil como o país mais ansioso do mundo, e o segundo na classificação de diagnóstico de depressão. Em tese, os transtornos mentais acometem 22 milhões de brasileiros. O senhor vê exagero nos números, ou estamos realmente dentro deste cenário?

Dr. Diego – Primeiramente queria agradecer ao jornal A Praça pelo espaço para que possamos falar sobre um tema tão importante como a saúde mental na nossa população. A minha percepção é que os transtornos mentais ainda são subdiagnosticados em nosso país, alguns estudos chegam a colocar que 20% da população sofre com algum transtorno mental. Existem alguns fatores que contribuem para o subdiagnóstico: estigma, preconceito e desconhecimento estão entre estes fatores. Na maioria das vezes, a busca por um profissional na área da saúde mental se dá quando ocorre um agravamento importante da saúde mental do indivíduo, com perda temporária da funcionalidade para o trabalho ou perda do prazer em realizar as atividades cotidianas. Entretanto, casos mais leves, em que a pessoa mantém sua funcionalidade, podem permanecer por muito tempo sem diagnóstico, gerando um sofrimento para o paciente que não compreende o que está acontecendo na sua vida e, por isso, não busca tratamento. Por esses fatores, considero que em toda consulta de profissional de saúde (qualquer que seja a área), deve ser reservado um momento para conversar com o paciente sobre alguns aspectos da sua saúde mental.

 

A Praça – Por que aumentou tanto ultimamente o número de pessoas com algum tipo de ansiedade ou outro transtorno mental?

Dr. Diego – Podemos dizer que diversos fatores estão associados ao surgimento de um transtorno mental, dentre eles os genéticos, biológicos e ambientais. O que percebemos ultimamente é que a sociedade em que vivemos está contribuindo para um agravamento importante da saúde mental das pessoas: carga horária de trabalho excessiva, pouco tempo de contato com a família, pouco tempo de lazer, uso excessivo das mídias eletrônicas (celular, televisão, redes sociais), falta de tempo para praticar esportes, entre outros. Resumindo, estamos vivendo de uma forma acelerada, dando importância demais ao material e esquecendo que o nosso bem-estar físico e mental são fundamentais para que tenhamos uma boa qualidade de vida.

A Praça – O objetivo da campanha nacional Janeiro Branco, que este ano aborda o tema ‘A vida pede equilíbrio’, é estimular a sociedade a adotar hábitos mais saudáveis que contribuem para uma melhor condição psicológica. O senhor também considera que as pessoas estão vivendo muito mais de acomodação, o que acaba condicionando-as às doenças mentais? De que forma é possível cuidar melhor da saúde mental, simplesmente adotando hábitos que não custam dinheiro?

Dr. Diego – Gosto sempre de ressaltar que precisamos focar em atividades que nos tragam bem-estar físico e mental, e principalmente nos tragam prazer em realizá-las. Cada pessoa terá uma percepção de prazer em atividades diferentes: conversar com amigos, fazer uma caminhada, praticar atividade física, ouvir uma música, dançar, assistir a um filme. Sempre falo que a sensação de bem-estar é muito individual. Cada pessoa deve buscar algo que lhe ajude a relaxar, esquecer um pouco os problemas do dia-a-dia e se sentir renovada. Essas estratégias são essenciais para prevenir o adoecimento mental.

A Praça – Estresse, ansiedade e depressão são apontados como os males do século. A rotina intensa das pessoas já era um agravante, antes da pandemia e muita gente precisou se isolar em casa. Isso pode ter ajudado a gerar problemas psicológicos, evoluindo para as doenças mentais em massa?

Dr. Diego – A pandemia foi algo nunca visto na história da humanidade, pois não estávamos preparados mentalmente para passar por essa situação, por diferentes fatores: o tempo de isolamento que nos foi imposto, causando muita solidão, o medo da infecção e do possível agravamento da doença, a perda de entes queridos de forma súbita, gerando uma dificuldade de vivenciar o luto, perdas financeiras importantes. Digo que a pandemia veio para agravar a saúde mental de uma sociedade que já vinha adoecida, mas não parava para se analisar. Tanto que com a melhora dos números da pandemia e o retorno ao normal da vida cotidiana, muitas pessoas passaram a se questionar se os objetivos que foram traçados ao longo da vida realmente eram importantes. E a pergunta que ficou no pós-pandemia foi: como equilibrar os objetivos pessoais e materiais sem esquecer de manter o bem-estar físico e mental?

A Praça – O uso indiscriminado do álcool, medicamentos e as drogas ilícitas também podem contribuir para este número cada vez maior de pacientes com distúrbios emocionais?

Dr. Diego – O uso de álcool e outras drogas há muito tempo virou um problema de saúde pública que deve ser tratado com muita seriedade e, idealmente, por uma equipe multiprofissional (psiquiatra, psicólogo, educador físico, terapeuta ocupacional). O uso de substâncias psicoativas gera um adoecimento tanto no indivíduo que faz uso das mesmas como também em todo o núcleo familiar que convive com o usuário. Precisamos, desde cedo, orientar aos jovens que o uso destas substâncias leva a um desfecho perigoso no futuro: perda de emprego, agressões domésticas, separação, depressão, ansiedade, insônia, além de aumentar substancialmente o risco de desenvolver sintomas psicóticos.

A Praça – O senhor também reforça a ideia de que o cuidado com a mente é tão importante quanto o cuidado com o corpo? Contrariando o que vemos hoje, pessoas que estão muito mais voltadas para a perfeição do corpo (do ponto de vista estético) deixando de lado os cuidados com a saúde mental?

Dr. Diego – É importante entendermos que o nosso corpo funciona de forma integrada. Ao buscarmos o bem-estar, temos que ter a perfeita noção da simbiose entre o físico e o mental. Estudos demonstram que pessoas que praticam atividade física de forma regular têm uma menor probabilidade de desenvolver quadros ansiosos e depressivos. Além disso, a atividade física contribui para a melhora do padrão de sono, autoestima e disposição para o dia-a-dia. A prática de atividade física libera serotonina (considerada a responsável pela felicidade), dopamina (auxilia na regulação do humor, na concentração e nos processos cognitivos), e endorfina, neurotransmissores importantes na prevenção de quadros ansiosos e depressivos. A atividade física também reduz o cortisol que é considerado o hormônio do estresse. Resumindo, quem pratica atividade física também estará cuidando da sua saúde mental.

A Praça – A gravidade do tema Janeiro Branco é tão urgente que a síndrome de Burnout, por exemplo, foi classificada, em janeiro de 2022, como uma doença do trabalho. As cobranças excessivas, os horários irregulares, as metas impossíveis, relações de trabalho desgastadas, ambientes tóxicos, podem contribuir para o estresse crônico?

Dr. Diego – A síndrome de Burnout é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico, resultante das situações de trabalho desgastantes. Essa síndrome ocorre principalmente entre profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades excessivas e constantes. O paciente com esse quadro passa a questionar suas habilidades e começa a se sentir incapaz. O ‘Burnout’ está diretamente relacionado ao trabalho. Um dos pilares do tratamento consiste na mudança do estilo de vida e nas condições do ambiente de trabalho.

Perfil

Diego Pereira Mendonça é médico formado pela Universidade Federal da Paraíba em 2010; psiquiatra com residência pelo Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto; psiquiatra da infância e adolescência com residência pelo Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto; preceptor da residência de Psiquiatria Geral e Psiquiatria da Infância e Adolescência Professor Frota Pinto; coordenador do ambulatório de TDAH do Núcleo de Atenção à Infância e Adolescência do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto; médico plantonista e regulador do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto. Atende no Hospital São Camilo em Iguatu-CE.

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