mexer no vespeiro

29/03/2024

Por Pablo Bandeira (Economista e professor)

Tem vespa em tudo quanto é canto do planeta.

Quer dizer: menos na Antártida. Mas, do jeito que o aquecimento global tá indo, é capaz das vespas chegarem lá logo mais. E essa quase onipresença das vespas tem uma consequência linguística. Se tem uma frase que é praticamente universal, é: mexer no vespeiro.

Você pode ver lá: em mandarim, finlandês, espanhol, inglês… Quer dizer, não vou dizer que são todas as línguas, mas em muita língua, “vespeiro” significa não só um ninho de vespas literal, mas “um problema no qual você não quer se meter”.

Um negócio polêmico. O tipo de coisa que se você puser a mão, você vai sair picada. Tem gente que mexe no vespeiro sem querer. Que só estava ali querendo tirar uma teia de aranha do canto do beiral, acabou dando uma vassourada no ninho, e teve que sair correndo para salvar o próprio couro.

Mas também tem gente que encara o vespeiro de frente e vai lá mesmo assim. Consciente do que vai rolar. E mais ou menos preparado pra sofrer as consequências.

Nos últimos dois meses eu mergulhei nos pequenos vespeiros aqui de casa. Dezenas de textos, alguns muito ligados ao período mais dramático da pandemia, depois mudança de casa (e de vida). Às vezes expondo alguns podres, quase sempre escondendo outros tantos.

Gosto em especial das experiências com ficção, ainda que poucas. Tem fases em que essa coisa de escrever semanalmente flui muito bem. E fases em que quase não flui. Mas gosto de perceber que quando é preciso, eu insisto. E que quando é possível, adapto.

Gosto de reler textos e notar o quanto eu tava doido com alguma coisa que hoje nem lembro que aconteceu, sobrou o registro. E me admiro ao alguma coisa que de fato fiz bem. Mas gosto especialmente daqueles raros, capazes de captar em poucas linhas a sensação de estar vivendo um tempo e lugar. Essa coisa da crônica: “ah, então é sobre isso que eu tava falando?”

Desses vespeiros, me deparei, principalmente, com um texto que escrevi sobre o tempo. Afinal, Ele – em maiúsculo! – sempre vai passar por cima de absolutamente qualquer coisa: suas alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, na saúde e na doença. O tempo faz pouco caso de nossas artimanhas para tentar alterar, mexer com ele de alguma forma. O tempo aceita, no máximo, o registro.

Depois de uma certa idade é esperado que se tenha amigas e amigos há mais de quinze, vinte anos. Tenho pessoas na minha vida que não são família e que conheço há três décadas. A passagem do meu tempo está nesses rostos. Não pergunto, não aponto, não tenho coragem de comentar que os olhos estão marcados, que cabelos estão brancos, que boca está caída. Me faria lembrar que o mesmo acontece comigo. Insisto que posso aprender a gostar, quem sabe gostando do envelhecer do outro eu posso gostar também do meu.

Mas o que está por fora é de menos. Me vejo lidando com questões de idade e explicando para amigos mais novos o que eles ainda não podem entender: que nem importa tanto as dores nos ossos ou as ressacas de três dias. O que apavora mesmo é uma ansiedade nova, fortíssima, uma ansiedade sobre o tempo ser finito. Eu sou novo, eu sei, é que eu implodi o processo e, de certa forma, sinto que o tempo me atravessa diferente.

Eu ainda olho com afeto para o passado, atentando para não afogar na nostalgia. Sou grato por quase tudo que passei. Avancei desenvolvendo versões melhoradas de mim mesmo: menos neurótico, mais capaz, com mais convicção, mais coragem, mais preparo para lidar com frustrações inevitáveis. A capacidade de continuar e aprender, mais certa qualidade de me manter mutável, me faz acreditar que há algo bom à frente — desde que, claro, eu me cuide para isso.

Deve ser esse o lance sobre envelhecer e mesmo assim continuar cronologicamente jovem: aceitar o que passou com graça, cuidar do que vem com leveza. Para isso, me organizo. Aprendi a despertar com o sol. Me hidrato, me alimento, mantenho meu corpo flexível. Quando funciono bem, o tempo passa num ritmo que parece correto. Quase.

O tempo corre quando estou feliz, envolvido, excitado com algo. E se arrasta quando espero a hora de poder falar, espero as respostas que preciso pra minha vida voltar a andar, espero o dia em que a pessoa que eu quero apareça na minha porta refletida no espelho do meu vão de entrada.

Então, espero essa transformação estar completa, uma transformação lenta e constante, com um tempo próprio que passa mais estranho por estarmos nesses anos históricos.

Espero sair do outro lado uma outra criatura, feito de olhos sérios e risada alta, roupa quase sempre limpa, lábios quase se

mpre vivos. Espero o dia em que essa coisa vai abrir a porta para sair pra rua com a mesma vontade com que abre as janelas de manhã para o ar novo entrar.

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