Negar a fórmula e viver a vida

18/03/2023

Essa proposta nos foi feita pelo filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche. Mas o que essa proposta niilista nos oferece? O nietzschiano basilar poderia e/ou conseguiria abdicar das ”muletas” as quais nos são culturalmente impostas, sem que as inquiramos e, hipoteticamente, a reputemos mediante processo seletivo e consciente?

O problema para a resposta a essa indagação se dá pelo fato de que o filósofo em questão não nos oferece um substituto para a negação. Ele nos tira do conforto pragmático e nos põe diante de infinitas oportunidades, conceitos, sendas., e, com isso, nos liberta dos moldes arraigados pela crença e estruturas sociais.

Nietzsche propõe uma desagregação, um ”soltar de grilhões” de uma supremacia que por séculos nos tomou como escravos, condenados ao mesmo fim revoltante. Andar com as próprias pernas, compreender a vida como ela é, sobretudo sem alicerces criacionistas, dogmáticos, seja talvez a tarefa medonha e detestável para alguns que consideram essa realidade dura e assustadora, mas, sem dúvidas, empolgante e desafiadora para uma outra modesta parcela de pessoas

Amor fati (amor ao destino).

***

O fim e a velha fofoqueira

Nem bem placa de ‘‘aluga-se’’ fora colocada na parede, os vizinhos já começaram a especular sobre o que teria acontecido, precisamente, para que o proprietário da casa a colocasse para aluguel por meio da imobiliária. Na verdade, as discussões constantes daquele casal já os faziam prever que o desfecho seria o fim inevitável. Como muitos, o casal tentou presar pela discrição, camuflando as brigas andando de mãos dadas a cada saída e chegada – descrição não mantida, exceto, como mencionado, nos momentos em que os tons de vozes alteravam-se; de modo que assim não conseguiam manter o sigilo, dando lugar aos ecos ouvidos por boa parte das vizinhas (que, como todas as vizinhas que se prezem, são fofoqueiras).

A vizinha fofoqueira disse tê-los vistos na padaria, e continuou: ‘‘…de mãos dadas – como sempre -, encenavam bem a harmonia que se espera de uma relação entre homem e mulher. Ela comia um pastel, e ele, uma coxinha. Entretanto, já não havia mais aqueles olhares típicos de quem admira a pessoa a qual se escolhe para percorrer consigo o resto da sua existência. Mas não largavam as mãos. Comiam e seguravam-se pelas mãos. A cena só não era mais patética do que o saber de que a aparência, para eles, valia mais do que os fatos. De que já não dormiam mais juntos. Ninguém me contou… eu mesma ouvi eles discutindo e denunciando ao mundo que já não dormiam juntos!’’ – Sentenciou a repugnante vizinha, que há muito não sabe para que serve uma cama, que não seja para dormir.

Lamento pelo casal e sua triste separação. Lamento também por não terem a coragem de assumir quando o jogo do amor feneceu. Talvez estejam esperando o momento certo… Não sei. Não é da minha conta ou interesse. Eles o sabem, e só a eles interessa. Mas de todos, o único que saiu perdendo, foi a vizinha fofoqueira. O casal se desfez, mas logo encontrarão – ambos – novos companheiros, pois suas vidas seguirão. Já a velha, estacionou a sua vida na vida de terceiros. E, claro, todos sabem que não é possível existir vida quando se vegeta em função de existências que não são a sua.

E quanto a mim, que vejo tudo e nada digo? Me limito a desejar vida nova a todos… Sobretudo à velha fofoqueira, que nunca experimentou o sabor de ser protagonista de sua própria vida… mas apenas coadjuvante da vida dos outros.

 

 

Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História

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